Nos últimos dias, diversas discussões foram levantadas sobre um possível tsunami, resultante de atividades vulcânicas nas Ilha Canárias, atingir a Bahia. Mas não seria a primeira vez que fenômenos do tipo acontecem em Salvador: é possível que 3 eventos marítmos de grande escala já tenham se passado na capital. Um deles confirmado, ocorrido em primeiro de novembro de 1755, e outros dois que ainda carecem de comprovação científica – de 1666 e 1919, conforme publicação do Correio.
Em entrevista, o professor aposentado da Universidade de Brasília (UNB), baiano, José Alberto Vivas Veloso, considerado um dos maiores estudiosos de tsunamis e eventos tectônicos no Brasil, que nos contou a história desses episódios.
Cidade Baixa alagada
O que parecia ser um tranquilo domingo transformou-se em uma catástrofe naquele primeiro de novembro de 1755 em Lisboa, capital de Portugal. Terremotos de 8.5 a 9.0 na escala Richter devastaram a metrópole portuguesa. O tremor foi tão grande que provocou um maremoto que atingiu a 6.500 km dali, a segunda cidade mais importante do império português e principal cidade das Américas: Salvador da Bahia.
De acordo com o relato do arcebispo de Salvador na época, eram por volta das 15h quando ondas gigantes entraram na Baía de Todos os Santos. “A primeira onda teria chegado silenciosa, sem violência, como se fosse uma enchente penetrando terra adentro. Porém, as seguintes foram ainda maiores e mais fortes”, conta o professor José Alberto.
O especialista estima que o tsunami atingiu, ao menos, os 3 metros de altura. Aqui vale um parêntese para explicar que a grande força dessas ondas gigantes não é a altura, mas sim a profundidade. O Havaí, por exemplo, possui ondas que chegam aos 20 metros, mas não causam nenhum estrago pois elas logo se dissipam. No caso do tsunami, a força deles é tanta que acabam penetrando o continente em grande velocidade, destruindo construções e alagando as ruas. Um tsunami de menos de um metro, por exemplo, já seria capaz de causar grandes estragos no Porto da Barra.
Por ser um registro muito antigo, pouco se sabe sobre os reais impactos do fenômeno em Salvador. A principal informação é de que a cruz que fica em frente a Igreja da Boa Viagem, na Cidade Baixa, ficou parcialmente coberta pela água.
A cruz está a 50 metros do mar e a, ao menos, 2 metros acima do nível das águas. Toda aquela região da Cidade Baixa teria ficado alagada, de acordo com o depoimento do arcebispo da Bahia. “Houvera alteração nos mares e as águas chegaram onde nunca se viu”, disse o religioso.
“A modificação no comportamento das águas provavelmente assustou os moradores da cidade, que tinha 65 mil habitantes na época, que não souberam descobrir o motivo da alteração das águas na Baía de Todos os Santos. No entanto, não há registros de mortes ou acidentes em decorrência da onde gigante”, narra o professor.
Festa dos pescadores
Outro caso documentado de onda gigante atingindo a Baía de Todos os Santos ocorreu no ano de 1666. Lá, moradores da antiga cidade da Bahia, hoje Salvador, viram o mar crescendo por “três vezes em três dias alternados”. As águas do mar ultrapassaram os limites naturais e invadiram as ruas e praças da cidade. Com ela, vieram muitos peixes, que acabaram em terra firme quando o mar recuou.
Com essa fartura, os pescadores ignoraram todos os estragos causados pelo mar e se preocuparam mais com o apetite, correndo para recolher os peixes que estavam em terra firme. O engenheiro e historiador baiano Theodoro Fernandes Sampaio atribuiu, em estudo realizado em 1916, este acontecimento a um terremoto submarino ocorrido em algum lugar no Atlântico.
No entanto, o professor José Alberto discorda desta teoria. Ele argumenta que terremotos submarinos no Atlântico, principalmente na costa brasileira, são raros. E como este avanço da maré ocorreu por três dias seguidos, teriam que ter três maremotos de grande magnitude. “As chances disso são quase nulas”, esclarece o pesquisador. No relato apresentado por Theodoro Sampaio, contudo, não há referência a fortes tempestades, o que justificaria uma eventual ressaca. Uma outra possível causa seria uma erupção vulcânica, mas não há dados que corroboram essa informação. Por essa falta de informações sobre as causas das ondas gigantes e do avanço da maré, esse episódio não pode ser registrado como tsunami, na visão do professor José Alberto.
‘Tsunamizinho’
Em 1919, nos dias 9 e 22 de novembro, Salvador e as cidades do Recôncavo passaram por uma das maiores tragédias naturais da história por conta de um forte terremoto que atingiu a região. Moradores tiveram que abandonar suas casas, que racharam e até desabaram em alguns casos.
O epicêntro do tremor foi a Baía de Todos os Santos. Com isso, as águas se agitaram. “Os peixes começaram a pular dentro do mar, como se tivessem sido tocados por um fluido elétrico submarino”, narrou Theodoro Sampaio. Apesar disso, não foram registradas ondas gigantes chegando à costa. As águas rasas se balançaram como se a baía transformasse numa bacia com alguém ninando-a.
“Se correto, as anomalias registradas e observadas por Sampaio refletiriam a ocorrência de um ‘seiche’, um tipo de onda estacionária com movimento de vaivém, sobre uma superfície líquida quase fechada, como o caso em questão. Esse fenômeno costuma ser testemunhado após grandes terremotos, principalmente quando águas de piscinas, situadas a centenas de quilômetros do epicentro, são atiradas fora de seu recipiente”, teoriza o professor da UNB. As informações são do Correio.