Recém-lançada pela Netflix, a série Round 6, que é uma produção sul-coreana, surfa na esfera de obras como “Jogos Vorazes”, “O Poço” e “Jogos mortais”, mas, se na trama ela não oferece ineditismo, a produção ganha pela produção estética e por personagens bem construídos e que, apesar de estarem em um universo que julgamos “impossível”, são profundamente humanos e, com isso, tornam-se próximos dos espectadores.
Na trama acompanhamos a vida de Seong Gi-Hun, um homem de meia idade, divorciado, que deve para agiotas, vive com a mãe e sonha em dar uma vida digna para a filha; Cho Sang-Woo, que é amigo de infância de Seong e que se formou em administração na universidade de Seul e é tido como o exemplo moral do bairro, porém, está endividado e com a polícia no seu encalço.
Sae-Byeok é uma desertora da Coreia do Norte e que teve o pai morto e a mãe presa na fuga de seu país de origem, e tem um pequeno irmão vivendo no orfanato; Hwanj Jun-Ho é o policial ético que busca pelo irmão desaparecido e se infiltra no jogo; Deok-Su, um narcotraficante que tentou dar o golpe no patrão e agora está jurado de morte. E por fim, Oh Il-Nam, um idoso solitário e que tem câncer em fase avançada.
Esses são os personagens centrais da trama e com os quais temos contato com as suas vidas anteriores ao jogo. Como se vê, todos possuem características de vidas que estão muito próximas da nossa: o amigo badalado, mas que não passa de uma farsa, a comunista, o pai que busca dar uma vida digna para a filha, o policial profundamente ético e o idoso solitário com câncer. É inevitável não se sentir próximo de tais histórias.
O jogo
Com dívidas, jurados de morte, casamento desfeito e com prisão decretada, estes personagens irão se deparar com um convite para participarem de um jogo no qual o vencedor será agraciado com o prêmio de 45,6 bilhões wons (R$ 208 milhões).
Mas, o que os participantes não sabem é que os jogos são mortais, ou seja, se você não passar de fase, é morte na certa.
Porém, os participantes só descobrem que estão diante de um jogo mortal na primeira fase do jogo: um robô gigante com cara de criança canta a música “batata frita 1,2,3…”, quando ela pausa a canção, ninguém pode se mexer, caso contrário, são metralhados. Aqui vale destacar: a série é explícita e bem violenta.
Após descobrirem estarem dentro um jogo que os coloca, literalmente, entre a vida e a morte, os participantes têm a primeira discussão moral e ética se devem ou não permanecer. A discussão dos participantes gira em torno do “estar vivo” e “vou morrer”, porém, outros questionam que, fora do jogo, as suas vidas já estão arruinadas e que, entre morrer na miséria ou morrer tentando ficar milionário, a segunda opção parece ser mais vantajosa.
Capitalismo e espetáculo da miséria
Ao longo dos 9 episódios da série acompanhamos a missão desses jogadores em busca do dinheiro que vai resolver as suas vidas, porém, também somos apresentados àqueles que criaram, conduzem e fazem apostas em torno do jogo.
Em várias cenas, aparece o líder do jogo, sempre mascarado, bebendo uísque e se divertindo e excitando com o sofrimento dos participantes do jogo. Aqui temos mais do que o representado em tela. Neste ponto, o roteiro de Round 6 se aproxima do filme, também sul-coreano, “Parasita”, onde o roteiro trabalha com a corrosão do caráter e da ética na vida sob o modo de produção de capitalista.
Porém, tanto a série como o filme tornam a crítica ao modo de vida no capitalismo densa ao escancarar que, não se trata apenas de pessoas que resolveram abrir mão de qualquer valor ético e humanitário para ter dinheiro, mas sim um sistema que não oferece alternativas, ou melhor, oferece falsas alternativas.
Do outro lado, acompanhamos como os detentores dos meios de produção vivem de costas para a miséria e ao mesmo tempo lucram com ela. Em determinado momento de Round 6, um dos milionários que aposta no jogo dá o tom da coisa: revela que enjoou em apostar nos cavalos, que jogos com pessoas é mais divertido.
A violência
Além de toda a aclamação da série, uma parcela do público tem reclamado da violência exacerbada da série, mas, tudo leva a crer que é proposital e até coerente com o objetivo do roteiro.
Pois fica a questão: onde de fato reside a violência: no jogo ou em um sistema que vive de vender ilusões de que amanhã a “vida vai melhorar”? Em ambos?
Ainda sobre a violência: a vida cotidiana nas grandes metrópoles, não se encontra em estado de guerra em muitos locais? O que dizer da “Guerra às drogas” onde aplicada?
Ou seja, a partir de um jogo mortal com corpos humanos, Round 6 coloca em questão a capacidade do modo de produção capitalista de corroer a humanidade; a engenhosidade deste sistema consiste em, diariamente, convencer parcela das pessoas de que sim, vale a pena passar por cima de amigos, amores e parentes para obter vantagem ou ganhar o prêmio e “resolver os problemas”.
Por detrás da ultraviolência da série estão questões que fazem parte do cotidiano da vida contemporânea, seja na Coreia, EUA, Brasil… enfim, a violência e a exploração do homem pelo homem se espalharam como um cancro por todos os cantos do planeta. Round 6 é o espetáculo da miséria, mas também como se corrói subjetividades lhes ofertando dinheiro e sonhos de liberdade. As informações são da Revista Fórum.