Eliane de Jesus, de 48 anos, que foi chamada de “macumbeira” e “preguiçosa” por turistas cariocas em um vídeo que circulou nas redes sociais denunciou o caso à polícia na terça-feira (16), na Delegacia de Proteção ao Turista (Deltur), no Pelourinho.
De acordo com a Polícia Civil, a dupla de cariocas vai ser intimada e ouvida. Um inquérito policial foi instaurado para a investigação dos fatos. Nas imagens, que foram publicadas no sábado (13), Ludwick Rego e Rômulo Souza filmam Eliane, que está com roupas do candomblé, sentada ao lado de uma mesa, e dizem:
“É aquela baiana ali, oh, ela falou que vai me dar axé, ela tem cara de macumbeira?”, diz Ludwick. “Ela é o que, irmã?”, pergunta Rômulo. “Marmoteira”, responde Ludwick. “E preguiçosa”, completa Rômulo. A filmagem continua e Rômulo diz: “Ela vai roubar o seu axé, isso sim”, aos risos. Nesse momento, Ludwick continua: “Ela vai roubar o meu colar pra ela”.
Em entrevista à TV Bahia nesta quarta-feira (17), Eliane disse que não aceita o pedido de desculpas feito pelos cariocas após a repercussão do vídeo. “De maneira nenhuma, não aceito. Eu me senti humilhada, fiquei indignada, chateada com isso tudo. Ser humano nenhum merece isso. E eu estava sentada, nem vi ele fazer isso”, disse Eliane.
“Eu espero justiça…e o que tem que ser feito. Só justiça. As palavras que ele falou, me chamou de preguiçosa, falou que eu ia roubar o colar dele, entendeu, então fica difícil. Nunca passei por essa situação. Nunca na minha vida eu passei por uma situação dessas…primeira vez”, conta Eliane.
“Eu espero justiça. Que ele pague pelo que ele fez porque não é certo o que ele fez comigo”, reforçou. O advogado de Eliane, Marcos Alan, falou à reportagem da TV Bahia sobre os crimes que foram cometidos por meio do vídeo:
“A gente verifica, no primeiro vídeo, a prática de crimes de calúnia, injúria e difamação porque atribui a ela qualidades ruins e tem xingamentos também. Então, com relação a ela e com relação a toda uma população negra, e a toda uma população baiana ao chamar uma pessoa que estava na sua tranquilidade, na sua atividade, de preguiçosa. Um baiano sendo chamado de preguiçoso, em pleno Pelourinho. Então, assim, é uma situação muito grave”, diz o advogado.
“Quando a gente fala de injúria também, a gente fala de injúria qualificada, que é a injúria racial. Então, ali é um crime de injúria comum, um crime racial comum. Ele teria uma situação de 1 a 3 anos. E ali, como foi praticado também através de redes sociais, esse crime vai ser majorado para de 2 a 5 anos”, completou.
Em Salvador, é comum encontrar mulheres e homens que são do candomblé e benzem turistas e baianos em pontos turísticos da cidade. Essa tradição cultural se repete em locais como a Igreja do Bonfim, Igreja de São Lázaro, entre tantas outras igrejas, devido ao sincretismo religioso que faz parte da cultura da cidade.
Pedido de desculpas
Os turistas Ludwick e Rômulo se manifestaram, na segunda-feira (15), após a repercussão do vídeo nas redes sociais.
“A gente veio aqui nesse vídeo fazer uma retratação, pedir desculpas ao povo da Bahia, ao povo do Pelourinho, ao povo do axé, que em momento algum a gente quis ofender a cultura, né, inclusive eu faço parte do axé, e nós ali estávamos numa brincadeira de uma pessoa que estava vendendo axé, que a gente sabe que axé não se vende. Quem é realmente da religião sabe que axé não se vende. Você abençoa uma pessoa e ela dá aquilo ali que ela pode”, diz Ludwick.
“Foi uma brincadeira entre amigos que a gente postou, foi uma infelicidade, mas em momento algum a gente quis denegrir a imagem da Bahia, quis denegrir a imagem do Pelourinho, quis denegrir a imagem dos baianos, e falar também que a pessoa que nós falamos no vídeo não é uma vendedora de acarajé. Em momento algum nós menosprezamos uma trabalhadora ali, uma vendedora de acarajé, nós fizemos essa brincadeira com uma pessoa que estava tentando vender axé, estava me perturbando para querer benzer minhas guias”, contou.
“A gente sabe que uma guia, quem é realmente do axé sabe que uma guia não é benzida assim, no meio da rua, cheio de egum [como se chama o espírito de alguém falecido nas religiões de matriz africana], cheio de povo de rua, cheio de espírito obsessor, sabe que não é dessa forma que acontece. E foi daí que começou essa brincadeira, a gente veio pedir desculpas a todos vocês que se sentiram ofendidos, ao povo da Bahia, as baianas, ao povo de axé, as vendedoras de acarajé. E é isso. Desculpas”, disse Ludwick.
O amigo dele, Rômulo Souza, também se defendeu sobre as acusações que têm sido feitas nas redes sociais, segundo ele. “Eu também peço desculpas porque fui eu que iniciei o vídeo, como Ludwick Rego falou, era uma brincadeira entre a gente e esse vídeo saiu da nossa rede social e vazou. E assim, não tem necessidade dessas ameaças horrorosas, dessas falas horrorosas, e todas as falas de Ludwick eu faço as minhas que eu peço desculpas ao povo da Bahia que eu amo, que eu tenho milhões de amigos, a gente estava indo lá pela terceira vez e vamos voltar mais vezes, ao povo da cultura, ao povo da religião, desculpa, se alguém se sentiu ofendido, desculpa”, disse.
Após a repercussão, os dois turistas fecharam os respectivos perfis das redes sociais. A Associação Nacional das Baianas de Acarajé repudiaram o vídeo feito pelos turistas e alertaram sobre a importância em não disseminar o racismo e o preconceito. Veja abaixo a nota na íntegra:
“Nós, da Associação Nacional das Baianas de Acarajé, alertamos a todo instante sobre a importância em NÃO disseminar o racismo, preconceito e forma perversa de dar continuidade aos maus-tratos que só geram dores e tristezas.
Por essa razão, viemos em público acolher essa Senhora, que não é Baiana de Acarajé, mas ganha seu sustento no ponto turístico de Salvador com seu dom de cura com as folhas e boas energias, acolhendo baianos e turistas que solicitam seu serviço. Por tanto Senhor @Ludivickrego e toda sua cúpula que compactua em continuar as chibatadas em nosso povo de negro, de axé e que ganha o sustento da sua família com trabalho digno, merece nosso total respeito e empatia, não vamos tolerar essa sua afirmação tão absurda e cheia de deboche.
O Novembro Negro existe para que pessoas como você se eduque e busque dissolver o racismo estrutural para que o mesmo não seja reproduzido.Com informações do g1 Bahia.