O homem negro que foi retirado do banheiro do Shopping da Bahia, em Salvador, após ser acusado de furtar uma mochila que comprou na loja Zara, registrou o caso em delegacia. Duas ações contra a loja e o shopping também estão sendo abertas pelo advogado dele.
Nesta terça-feira (4), o g1 voltou a conversar com Fernandes Júnior, que é natural de Guiné-Bissau, país que fica no continente africano. Entre as medidas que ele solicitou na Justiça está o pedido para que a empresa e o centro comercial promovam ações educativas que preguem o respeito às pessoas negras.
“Eu só espero que a justiça seja feita e que os cometedores desse tipo de violência desumana paguem pelos erros deles. Eu sei que nada pagará e apagará essa humilhação, mas espero que essa seja uma medida que faça com eles repensem, e que ajude para que não aconteça mais com outras pessoas”, avaliou Luís. “Eu não estou nada bem. Foi uma situação de segundos que acabou com tudo o que eu construí ao longo do tempo”.
O advogado de Luís falou sobre a importância de levar casos como esse à Justiça. “Essa violação é uma violação que acomete não só ao Luís, mas diversas outras pessoas na mesma condição do Luís, diversas pessoas que são negras e que ao tentarem se inserir nos espaços com históricos para pessoas brancas, existem uma perspectiva mais de reparação histórica”.
Reflexo do racismo
As marcas do racismo abriram questionamentos profundos em Luís, que é graduado em Ciências Humanas e faz duas pós-graduações, uma delas em Gênero e Direitos Humanos.
“Eu estava construindo a minha vida, lutando, para formar um conhecimento, tentando construir uma família e isso me fez parar repensar vários pontos. Será que vale a pena continuar estudando para ter uma vida digna, se uma entidade nos trata como nada e acha que pode nos humilhar a qualquer momento?”, questionou.
“Eu fico pensando se vale a pena ter um filho, dar educação, ao mesmo tempo sabendo que essa educação não vai adiantar nada, sabendo que tudo o que aconteceu comigo, pode acontecer com ele também. Esse foi o pior final de ano da minha vida”, refletiu. Na época do crime, a Zara informou em nota que afastou uma funcionária da loja. Para Luís, essa não é a medida mais adequada.
“Uma funcionária foi despedida. Para eles, isso é normal, o problema agora está resolvido. E eles vão continuar ganhando o dinheiro fazendo o que eles querem. Não entendem o funcionamento do sistema, da indústria. Essa não é a raiz do problema”.
A Zara informou também que apura os detalhes do que aconteceu e que lamenta o episódio, “que não reflete os valores da companhia”. Na mesma época, o Shopping da Bahia disse que o segurança descumpriu as determinações de regulamento do shopping, ao atender o pedido da funcionária da loja.
Disse ainda que não compactua com qualquer ato discriminatório, e que “incluirá as imagens deste fato nos treinamentos internos para evitar que se repitam”.
Caso
O crime aconteceu no dia 28 de dezembro. Luís mora na Bahia há sete e contou que esteve na loja da Zara em busca de uma mochila nova, que viu pela internet. Depois de encontrar a mochila que queria, ele deixou ela no caixa e saiu da loja para sacar o dinheiro.
Ao retornar para a Zara, ele fez o pagamento do objeto e então saiu com a compra e a nota fiscal, que comprava o pagamento. Com pressa, porque precisava voltar rápido para casa, na região metropolitana de Salvador, ele deixou o troco no caixa e foi ao banheiro, onde acabou abordado pelo segurança.
“Ele ficou atrás de mim. De início, eu não liguei porque não tinha ideia de que seria comigo aquilo. Aí ele chegou perto de mim e falou: ‘eu quero que você devolva agora a mochila que você roubou na loja da Zara’. Eu respondi que tinha comprado a mochila e ainda falei que tinha o comprovante, mas ele não quis ouvir e insistiu para que eu devolvesse”, contou ele, na época.
Depois disso, o segurança – que não teve identidade divulgada – tomou a mochila da mão de Luís e saiu pelo corredor.
“Eu fiquei muito nervoso e saí discutindo pelo corredor atrás dele. Quando chegamos de volta na loja, procurei o rapaz que me atendeu e perguntei a ele de quem era a mochila. O atendente respondeu que era minha, que eu havia comprado. Aí ele ficou sem jeito”, lembrou a vítima.
Mesmo com a situação explicada pelo atendente da loja e o comprovante de pagamento da mochila, o segurança se recusou a devolver a mochila para Luís.
“Eu puxei a mochila da mão dele e ele me ignorou, saiu andando. Eu fui atrás dele, revoltado, e pedi: ‘Quero saber quem é o seu responsável para entender o motivo desse tipo de abordagem'”.
“Aí encontrei a pessoa responsável pela segurança, e perguntei: ‘Você pode me dizer que tipo de treinamento, formação ou educação vocês dão para os seguranças? Se fosse um homem branco, ele teria coragem de entrar no banheiro e fazer isso? Me acusar de roubo, me retirar do banheiro, eu com o comprovante na mão?”.
Ainda assim, Luís relatou que foi tratado com desdém pelo responsável pela segurança. Ele então falou que sabia dos direitos dele.
“Eu falei a ele: ‘eu não sou leigo, não sou burro. Tenho graduação em Ciências Humanas, licenciatura, e faço duas pós-graduações, uma delas em Gênero e Direitos Humanos. Eu sei o que é racismo e o que você está fazendo’. Nesse momento, a fisionomia dele mudou e ele abaixou a cabeça”.
“Me senti humilhado por ser negro. Foi como se ele tivesse me matado e me deixado na rua, de qualquer jeito. Doeu muito. E em nenhum momento eles pediram desculpas. Eu cheguei em casa arrasado, com uma dor de cabeça intensa”. As informações são do g1 Bahia.