Há mais de 30 anos, a feirante Raimunda Novaes cumpre semanalmente a mesma rotina: todo domingo, às 5h30, parte ao lado do seu filho Hipólito de caminhão de Palmeiras, onde mora na Chapada Diamantina, com destino ao Vale do Capão para vender frutas, legumes e verduras. Aos 78 anos de idade, Dona Raimunda sofre no local de trabalho o constrangimento de não dispor de um único sanitário disponível.
“Antigamente a gente pagava pra usar o banheiro do bar, mas hoje nem isso tem”, lamenta Dona Raimunda. O drama é experimentado diariamente por gente que transita nos dois pontos de maior fluxo de visitantes do Capão: a Vila, onde é realizada a feira, e os Campos, onde fica a entrada do mais conhecido atrativo turístico local, a Cachoeira da Fumaça.
Tanto num local, quanto no outro, não faltam banheiros. O que não existe é um profissional contratado para fazer a manutenção e a limpeza dos equipamentos. “Eu não posso colocar um banheiro pra funcionar se não tiver uma pessoa contratada pra fazer a limpeza”, justifica o comerciante Vanderli Dreger Guimarães, o popular ‘Lili’. Proprietário de uma quitanda na Vila, ‘Lili’ encabeçou um mutirão para a reforma dos banheiros da Vila, que estão fechados há mais de três anos. Organizou a arrecadação de doações e contratou os operários para fazer a reforma.
‘Lili’ calcula que entre donativos, equipamentos e serviços voluntários foram mais de R$60 mil arrecadados junto à comunidade. A obra ficou pronta em agosto passado, mas o esforço da coletividade não foi correspondido pelo poder público municipal. “A prefeitura de Palmeiras não deu um centavo para essa obra”, diz o comerciante. “E não se dispõe nem a mandar alguém aqui pra dar manutenção”, completa.
O imóvel do banheiro da Vila pertence à Associação de Pais, Educadores, Agricultores de Caeté-Açu (Apeaca), que formalizou o pedido de um servidor público para a manutenção do espaço. “Inicialmente a prefeitura alegou que só poderia ceder um funcionário se o espaço passasse a ser de responsabilidade do município, mas isso era só o pretexto pra dar um não. Depois eles disseram que arrumaram uma pessoa pra fazer o serviço tanto na Vila quanto nos Campos, reuniram toda a documentação necessária pra contratá-la, mas até agora nada”, relata o vereador Giba (PT).
Giba integra a bancada de oposição, mas a versão dele é corroborada por um colega do mesmo partido do prefeito Ricardo Guimarães (PSD). “Eu consegui essa pessoa, passei a documentação dela para a Prefeitura, que ficou de nomear, mas não nomeou. Ricardo falou que não podia contratar antes por causa do índice de contratação de pessoal, mas que agora em janeiro iria nomear e até agora também não fez nomeação nenhuma”, reclama o vereador Dundum.
Prefeitura não responde
A reportagem do Portal Vale do Capão entrou em contato com o prefeito Ricardo Guimarães, que não atendeu à ligação e tampouco respondeu às perguntas enviadas por aplicativo de mensagem. Para a Associação dos Comerciantes do Turismo do Vale do Capão (Acomtuv), a situação dos sanitários afeta a atividade turística do Vale, prejudicando tanto os que trabalham como os que visitam a localidade.
“A Acomtuv, junto com a Associação de Pais, contribuiu com recursos para a conclusão da obra do banheiro e estamos muito preocupados com essa falta da contrapartida por parte da Prefeitura”, declarou o presidente da entidade, Emanuel Requião.
O Vale do Capão é o maior destino turístico do município. Estima-se que possua em torno de 200 empreendimentos responsáveis pela acomodação de turistas, entre hotéis, pousadas e campings. Há mais de 40 anos, recebe visitantes de várias partes do Brasil e do mundo: um estudo realizado em 2013 apurou a presença de mais de 51 nacionalidades diferentes entre seus moradores. Nos últimos anos, o Capão vem experimentando um crescimento que cria enormes desafios para a infraestrutura local, sobretudo no tocante à questões da estrada, da destinação dos resíduos sólidos e do consumo e distribuição da água.
Desde abril de 2021, a prefeitura contratou uma empresa para o serviço de limpeza da cidade, a Transloc. Entre os 25 funcionários que a empresa contratou para realizar suas atividades no município, três atuam exclusivamente no Capão. Mas nenhum deles tem autorização para limpar os sanitários do Vale. “Os funcionários da Transloc só trabalham de segunda a sexta-feira, os banheiros tem que ser limpos todos os dias inclusive aos sábados, domingos e feriados”, justifica Dundum.
Enquanto dura o impasse, o maior destino turístico do município continua oferecendo a moradores, trabalhadores e visitantes para as suas necessidade fisiológicas o mesmo espaço de sempre que o artista plástico Salomão Zalcbergas tão bem retratou numa das paredes do banheiro que permanece fechado: o mato. Redação do Portal Vale do Capão.