Em ano eleitoral e com Lula (PT) à frente das pesquisas de intenções de voto, a Globoplay lançou, no último dia 27, a série documental “O Caso Celso Daniel“, sobre a morte do ex-prefeito petista. Um dos mais emblemáticos crimes da história política, o caso foi concluído em abril de 2002.
Na ocasião, a Polícia Civil de São Paulo apontou que se tratou de um sequestro seguido de assassinato cometido por uma quadrilha da favela Pantanal, na zona sul de SP. Com isso, o crime foi considerado comum, mas até hoje há quem defenda motivações políticas.
O ex-delegado Marcos Carneiro Lima, que esteve no centro do caso e é um dos entrevistados do documentário disponível na Globoplay, afirma que concordou em participar do projeto para apresentar a versão correta dos fatos. “É um serviço público para a sociedade, a defesa implacável do direito à informação, isso é importantíssimo, dá voz ao outro lado”, ressalta.
Lima, que trabalhou na área de Homicídios e Antissequestro da Polícia Civil, é categórico ao dizer que o crime não teve envolvimento do PT ou de outros políticos e que a narrativa de que Celso Daniel teria sido morto a mando de dirigentes do partido foi alimentada por boa parte da mídia para “enfraquecer um partido e uma pessoa que imaginavam que a sociedade brasileira jamais colocaria no poder”.
Confira a entrevista exclusiva concedida à Revista Fórum:
A Globoplay lançou um documentário sobre o crime no último dia 27. Qual o senhor acha que é o motivo para a insistência no caso?
Esse caso foi muito emblemático porque teve uma situação que foi alterada justamente pelo panorama político. No início, o presidente era do PSDB, Fernando Henrique Cardoso, o governador era Geraldo Alckmin (PSDB) e o Lula era candidato. Quando aconteceu o fato, houve uma preocupação do pessoal do PT para que a Polícia Civil cumprisse corretamente o papel. Houve um trabalho conjunto entre a Polícia Federal e a Polícia Civil de SP e estabeleceram que uma quadrilha da Zona Sul, da favela Pantanal, foi quem fez esse sequestro. As pessoas foram presas, a arma usada foi apreendida e fechou o círculo ali, um crime que desaguou nessa tragédia.
Mas o caminho da história é que era uma coisa impensável o Lula ser presidente, e passado algum tempo quiseram dar uma nova dinâmica sobre a motivação do crime e do que teria acontecido. Quiseram colocar a situação de que o Celso Daniel teria tido uma epifania e teria resolvido não continuar com as “irregularidades” do partido e por isso teria sido morto. Isso foi alimentado por uma boa parte da mídia que tinha interesse em enfraquecer um partido e uma pessoa que imaginavam que a sociedade brasileira jamais colocaria no poder, e que além disso ganhou uma outra eleição.
Fora isso, ele conseguiu a proeza de eleger a substituta dele [Dilma Rousseff]. A cada dois anos, em períodos eleitorais, traziam a baila o caso Celso Daniel. Os irmãos também apareceram na mídia, dando a versão sobre o que seria o caso por interesse político, já que os irmãos nem se conversavam. Tudo isso foi endossado e não se questionava. Quiseram associar a ideia que [o PT] era um partido que mandava matar quem contrariava. Essa contaminação se estendeu para alguns órgãos, e o Ministério Público de São Paulo, por interpretação muito peculiar, mudou a motivação do crime.
E sobre lançar o documentário no período eleitoral? Acha que é alguma tentativa de atingir Lula?
A minha primeira leitura é de que eles estão colocando agora a oportunidade para que as pessoas avaliem, com pontos de vista diferentes. Até agora mostrava só um lado, com o foco de mostrar que era algo contra um partido. Mas temos que ver como foi editado [o documentário], se foi feito dando voz à racionalidade. As pessoas que têm a visão de que houve um crime de mando, por mais que você seja didático, explicativo, claro, evidente, ela pensa: ‘tem coisa aí’. Às vezes as pessoas preferem as mentiras sinceras do que a verdade. Historicamente, isso vai ser importante porque uma coisa é o momento, o calor, mas no futuro vamos ver como a história vai escrever isso.
O inquérito foi finalizado em 2002, certo? Então qual é o motivo de continuar insistindo nessa narrativa?
Eu vi o trabalho da equipe [do documentário]. Eu acho que é por isso sempre ter sido abordado de uma forma muito pontual, e não abrir o leque para dizer que pode ser outra coisa ou o que de fato aconteceu.
Eu concordei em participar pelo projeto que me apresentaram, achei importante apresentar essa versão, o reconhecimento do que realmente aconteceu. Isso é um serviço público pensado para a sociedade, a defesa implacável do direito à informação. Isso é importantíssimo, dá voz ao outro lado.
O que o senhor acha sobre a tentativa de outros políticos, como Moro e Bolsonaro, de continuarem resgatando o caso Celso Daniel? Recentemente, Bolsonaro disse que o caso Adélio poderia ser comparado a esse crime.
Eu acho que é aquilo de paixão cega, de quem segue uma determinada linha ideológica. Mesmo que você mostre a verdade [a pessoa] não aceita. Não adianta, e sempre vai ter um público que vai ouvir esse tipo de pregação. O importante é que os envolvidos deixem claro o que é. Não podem ficar a favor de achismo, é o fato. O caso que aconteceu com o Bolsonaro foi um atentado, uma ação isolada, a Justiça não iria mascarar, foi a PF quem fez a investigação. Mas para ele interessa que a teoria da conspiração fique viva, para que as pessoas achem que tem algo por trás. Para manter viva a chama da desconfiança, da intolerância. Redação da Revista Fórum.