Nos últimos dias, ganhou grande repercussão, na imprensa e nas redes sociais, a detenção em flagrante de um turista, em Porto Seguro (BA), por injúria racial. Em um restaurante, o homem de 50 anos, um turista de São Paulo, teria chamado um homem de “macaco” e agredido uma pessoa com deficiência.
Um vídeo que circula nas redes sociais mostra o momento da prisão. Nas imagens, é possível ver que inúmeras pessoas acusam o turista de racismo durante a abordagem de policiais militares. Enquanto clientes do restaurante gritavam “racista” e frases como “sai da nossa terra” e “bolsominion safado”, o sujeito resistia à ordem de prisão.
O turista foi conduzido à Delegacia de Porto Seguro e autuado em flagrante por injúria racial, desacato e resistência, e liberado em seguida após o pagamento de fiança de R$5 mil. Ele responderá ao inquérito em liberdade. O caso acorreu na última quinta-feira (3).
O fato do turista ter sido solto levantou questionamentos. Isso porque, em outubro de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF), após julgamento, equiparou o crime de injúria racial ao de racismo, tornando-o, portanto, imprescritível e inafiançável. Por que, então, o turista da Bahia foi solto após pagar fiança?
Racismo e injúria racial; entenda
Em outubro de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu um julgamento e decidiu: a injúria racial é um delito equiparável ao crime de racismo e, por isso, é imprescritível e inafiançável. Ao todo, foram 8 votos a 1 pelo entendimento – somente o ministro Kássio Nunes Marques, indicado por Jair Bolsonaro, votou contra.
Entende-se por racismo, previsto na Lei nº 7.716/1989, a conduta discriminatória dirigida a um determinado grupo ou coletividade. Segundo o site JusBrasil, geralmente, “refere-se a crimes mais amplos” e envolve uma série de situações como, por exemplo, “recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou às escadas de acesso, negar ou obstar emprego em empresa privada, entre outros”. A pena varia de 2 a 5 anos de prisão.
Já a injúria racial, objeto da análise do STF, está prevista no artigo 140 do Código Penal e envolve a ofensa à dignidade ou o decoro utilizando elementos de raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. Geralmente, é associada ao uso de palavras depreciativas, como foi observado no caso do turista na Bahia. A pena é de 1 a 3 anos de prisão.
À Fórum, Polícia Civil da Bahia informou que o turista de São Paulo foi solto após pagamento de fiança pois, apesar do entendimento do STF em tornar injúria racial um crime inafiançável, crimes com penas de até 4 anos de prisão permitem a fiança.
“O homem foi liberado mediante pagamento de fiança. O STF reconheceu a imprescritibilidade do crime de injúria racial, por entender que se trata de uma espécie do gênero racismo. Porém, a pena continua sendo a mesma – 1 a 3 anos de reclusão –, e o STF não pode considerar um crime com esta pena inafiançável. Havendo o direito à fiança, o Delegado não pode negar arbitrá-la sob pena de incidir em crime de abuso de autoridade”, diz nota da assessoria de comunicação da Polícia Civil enviada à reportagem.
Consultado pela Fórum, o advogado Ariel de Castro Alves, membro do Movimento Nacional de Direitos Humanos, afirmou que “nem sempre as decisões do STF são respeitadas” e que “isso tem sido comum por parte das policias e tribunais de justiça estaduais”. Segundo Castro Alves, no caso do turista liberado após fiança na Bahia, “o Ministério Público pode contestar a atuação policial e depois o caso deve passar por várias instâncias até chegar no STF”.
O advogado pondera, contudo, que, conforme informado pela Polícia Civil da Bahia, crimes com penas de até 4 anos de prisão preveem que a pessoa não fique presa, podendo responder ao inquérito em liberdade. “Precisa ser feita uma revisão dessa legislação pelo Congresso Nacional. Na prática, a decisão do STF facilita para quem comete injúria racial, já que devem ser liberados sem pagar fiança, em razão da pena ser branda”, avalia.
À época do julgamento do STF que firmou o entendimento de que injúria racial é equiparável ao crime de racismo, o advogado e professor Silvio Almeida, presidente do Instituto Luiz Gama, afirmou que a decisão é “acertada”.
“A decisão do STF reafirma a posição do STJ que firmou o entendimento de que a injúria racial é uma modalidade do crime de racismo e portanto não pode estar sujeito aos prazos decadenciais que incidem sobre os crimes contra honra, subordinando-se ao inciso XLII do artigo 5º da Constituição Federal que estabelece que ‘a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível’. A decisão é acertada, sobretudo porque em muitos casos havia a desclassificação do delito de racismo para injúria racial e, neste caso, invariavelmente era reconhecida o decurso de prazo decadencial, o que resultava, na prática, na impunidade do ofensor, uma vez que não não poderia haver condenação neste caso”, declara.
“Apesar do direito penal ser um instrumento bastante limitado para o enfrentamento do racismo, a decisão do STF foi acertada e com isso será possível que as ofensas de cunho racista tenham o tratamento adequado por parte do sistema de Justiça do Brasil”, completa Almeida. Com informações da Revista Fórum.