A Advocacia-Geral da União (AGU) emitiu parecer nesta sexta-feira (29) defendendo a manutenção do indulto concedido pelo presidente Jair Bolsonaro ao deputado federal bolsonarista Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na última semana a 8 anos e 9 meses de prisão por atentar contra o Estado Democrático de Direito.
Segundo a AGU, o decreto de graça concedido por Bolsonaro a Silveira é “soberano” e não pode ser revisto por outro poder. A manifestação se deu em resposta a um pedido de explicações feito pelo juiz federal Carlos Ferreira de Aguiar, da 12ª Vara Federal do Rio, diante de uma ação pública movida pelos advogados André Luiz Cardoso e Rodolfo Prado, que pedem a suspensão do decreto que livrou o deputado bolsonarista da condenação por enxergar desvio de finalidade e ofensa aos princípios da impessoalidade e da moralidade.
“O indulto também é um ato soberano de perdão, uma vez que a prerrogativa presidencial para a concessão de indulto individual é medida fundamental à manutenção do Estado Democrático de Direito, inspirado em valores compartilhados por uma sociedade fraterna, justa e responsável. 26. Assim, uma vez concedido o indulto, não há outra alternativa exceto a extinção da punibilidade do réu”, aponta a AGU na decisão (confira no fim da matéria).
“O indulto, portanto, é instituto discricionário, de natureza política/criminal, que extingue a punibilidade do réu/investigado, de competência exclusiva do Presidente da República e ínsita ao modelo de checks and balances, cujas limitações são aquelas exclusivamente referidas na própria Constituição Federal (crimes hediondos, tortura, tráfico e terrorismo)”, acrescenta. A AGU destaca que “a decisão condenatória de Daniel Lucio da Silveira ensejou legítima comoção na sociedade”, o que autorizaria Bolsonaro à concessão do beneplácito e ainda aponta que há legalidade na ação “concordando-se ou não”.
“Cabe ao chefe do Poder Executivo evocar o mister democrático de zelar pelo interesse público. Logo, concordando-se ou não com as razões presidenciais, o fato é que elas foram elencadas e seu baldrame axiológico é inegável, fundado em valores constitucionais e históricos. Daí que a concessão da graça constitucional em exame, considerada a concepção discricionária do instituto, representada pelo juízo de conveniência e oportunidade, não pode ser objeto de releitura por outro Poder”, sustenta. Para a AGU, o argumento dos advogados que defendem a inconstitucionalidade do decreto consiste em uma “tentativa de usurpar o crivo privativo da autoridade”.
Ato político que se finge jurídico
Lenio Streck, advogado, professor e jurista, concorda com a tese de desvio de finalidade e aponta que o decreto de indulto publicado por Bolsonaro representa “o ato mais ousado” do presidente “nesse confronto constante que ele tem com o Supremo”. “Trata-se de um decreto com desvio de finalidade, um decreto que extrapola tudo aquilo que se entende por graça, indulto”, adverte.
Streck chama a atenção para o fato de que o indulto cedido por Bolsonaro não pode prevalecer. “Imagine se a moda pega. Todos os parlamentares que coloquem em xeque as prerrogativas, que agridam, que invadam e sejam condenados, podem ter no dia seguinte do presidente o respectivo ato de indulto. Toda medida no direito tem que ter um grau de universalidade”, ressalta.
Para o jurista, a atitude de Bolsonaro é um ato político que se passa por jurídico para provocar o STF. “Resta saber o que o Supremo vai responder, porque estamos em uma espécie de democracia match point, quando a bola fica em cima da rede e não se sabe para que lado vai cair”, analisa.
Estratégia de Bolsonaro para permanecer no poder
Para o advogado Marco Aurélio Carvalho, que é especialista em Direito Público e coordenador do Grupo Prerrogativas, Bolsonaro indultou Daniel Silveira para “atiçar as hordas que dão sustentação ao seu governo às maluquices que está tentando implementar”.
“Quer passar a impressão de que tem autoridade, de que esse país tem dono, e quer colocar suas hordas contra o próprio STF. Quer implantar a ideia de que o STF é condescendente com criminosos e apena aqueles que dão suas opiniões sobre temas dos mais variados”, disse à Fórum. Segundo Carvalho, o objetivo de Bolsonaro “é colocar o povo contra o STF e criar a ideia de que ele precise permanecer no poder para indicar novos ministros e, a partir daí, mudar o tribunal”. “É tudo calculado”, pontua o advogado.
Crime de responsabilidade
O jurista Ricardo Lodi, professor de Direito da Uerj e ex-reitor da universidade, avalia que o presidente Bolsonaro cometeu mais um crime de responsabilidade ao conceder indulto a Daniel Silveira. “Bolsonaro atropela mais uma vez a democracia! Após a decisão do STF de condenar Daniel da Silveira por ataques à democracia, Bolsonaro resolve conceder a ele indulto, extrapolando dos seus poderes presidenciais, e, em desvio de finalidade, proteger seu amigo que quer eliminar o Estado de Direito. É flagrante o crime de responsabilidade!”, afirmou Lodi durante evento na Faculdade Nacional de Direito da UFRJ.