Uma distância de 3,6 mil quilômetros separa a cidade brasileira mais fiel ao PT daquela que menos ajudou a eleger candidatos a presidente do partido nos últimos 20 anos. O município mais refratário à sigla é Nova Pádua, na Serra Gaúcha, que tem população estimada em 2.563 pessoas e, segundo dados do governo federal, apenas 73 delas vivem em situação de pobreza ou extrema pobreza. No polo oposto está Belágua, no Maranhão, cuja população estimada pelo IBGE, de 7,5 mil pessoas, não alcança o número de pobres ou miseráveis registrados no Cadastro Único (CadUnico) no mesmo município, 8,1 mil — anomalia estatística que, na prática, corrobora o fato de ser uma localidade maciçamente marcada pela pobreza.
Com base nos resultados das eleições em 5.562 municípios do país desde 2002, O GLOBO elaborou um índice eleitoral que mostra a adesão de cada uma das cidades ao PT. O critério foi escolhido considerando que a sigla esteve entre as protagonistas de todas as disputas presidenciais desde 2002. Foram levados em consideração os votos em primeiro turno dos principais postulantes à presidência da República ao longo desse período. Numa eleição polarizada como a deste ano, o levantamento indica em quais pontos do mapa a legenda do líder das pesquisas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), poderá encontrar mais ou menos facilidade.
O impacto da passagem do PT pelo governo foi particularmente forte nas cidades mais pobres. Os extremos do índice desenvolvido pelo GLOBO reforçam a relação entre desempenho eleitoral e pobreza: Nova Pádua atingiu zero na escala de fidelidade à sigla e Belágua, cem. De acordo com especialistas que já se debruçaram sobre o tema, a partir de 2006, reta final do primeiro mandato de Lula, a legenda ganhou terreno nos municípios com menores índices de desenvolvimento, reflexo das políticas de distribuição de renda, como o Bolsa Família.
Há casos, porém, de município em que o placar pouco mudou, como em Roncador, no Paraná. Lá, a votação no PT se manteve praticamente inalterada nos últimos cinco pleitos: a preferência pelo partido variou entre 46 e 50% dos votos, a menor flexibilidade do Brasil. Já no Piauí, Guaribas é o melhor reflexo do realinhamento político no país a partir de 2006. Em 2002, Lula foi eleito presidente com uma votação de 18% na cidade. O lançamento de programas sociais inverteram a lógica: em 2018, 93% dos eleitores da cidade votaram em Fernando Haddad já no primeiro turno. No agregado dos cinco anos, Guaribas aparece como um dos locais mais petistas do Brasil. Efeito contrário ocorreu em Cocal do Sul, no estado de Santa Catarina. Em 2002, Lula somou 74,9% dos votos na cidade. Em 2018, contudo, Haddad recebeu somente 8%.
Professor da Fundação Getúlio Vargas e pesquisador do Woodrow Wilson Center, César Zucco estudou o impacto do Programa Bolsa Família no comportamento eleitoral brasileiro e identificou o realinhamento político de 2006. Segundo ele, as eleições de 2022 ajudarão a esclarecer a quem o eleitorado das cidades mais pobres é verdadeiramente fiel. Trata-se do primeiro pleito em que os benefícios sociais, principalmente o Auxílio Brasil, estão vinculados ao representante de outra sigla, nesse caso, o presidente Jair Bolsonaro (PL). Em outras palavras, neste ano, as urnas tendem a revelar se os município mais pobres votam no PT ou no chefe do governo da ocasião, que mantém políticas públicas de transferência de renda.
“No geral, se olharmos para a maior parte dos municípios, com exceção talvez das grandes cidades, até 2002, o PT tinha mais votos em lugares com maiores IDHs (Índice de Desenvolvimento Humano) e mais gente. Uma vez que o PT virou governo, em 2002, e isso valia para o PSDB enquanto governo também, passou a ter mais votos em lugares com menor IDH”, afirma Cesar Zucco.
Guinada catarinense
Na primeira eleição do ex-presidente Lula, em 2002, sete dos 15 municípios em que a sigla dele recebeu mais votos estavam em Santa Catarina. Há quatro anos, quando Bolsonaro venceu a eleição, os catarinenses deram ao presidente sua maior vantagem em todo o país.
De acordo com o cientista político Antonio Lavareda, a diferença regional no país reflete a forma como o sistema partidário do Brasil evoluiu ao longo dos anos, com apenas uma legenda conseguindo atingir a lealdade de parcela relevante do eleitorado. Segundo a última pesquisa Datafolha, divulgada no final de maio, 26% dos eleitores dizem preferir o PT. Segundos colocados em ordem de preferência estão PL, MDB e PSDB, com 2%.
Para Lavareda, muitas das principais localidades refratárias ao PT país afora tem características socioeconômicas em comum, como a forte presença do agronegócio e do industrialismo. “O PT é o único partido que atinge dois dígitos de preferência. O restante do eleitorado é amalgamado em oposição ao PT. Por isso que existe uma identidade negativa: ou é PT ou é contra o PT”, afirma.
Rio e São Paulo: eleitoralmente desafinados
O levantamento feito pelo GLOBO a partir dos resultados das últimas cinco eleições gerais revela que, no recorte por estados, as unidades da federação do país estão praticamente divididas em dois blocos: um petista e outro antipetista.
No primeiro grupo, há majoritariamente os estados localizados no Nordeste, mas também Tocantins, Amapá, Pará e o Amazonas, da região Norte. No extremo oposto, encontram-se os representantes do Sul e do Centro-Oeste do país, além de São Paulo (Sudeste), Acre, Roraima e Rondônia (Norte). Outros estados, como Minas Gerais, por sua vez, apresentam um comportamento mais afinado com a dinâmica nacional, de certa forma, sintetizando os movimentos que acontecem no restante do país na maioria das vezes.
Vizinhos, os estados de São Paulo e Rio encabeçam o ranking dos mais ricos do Brasil e suas capitais são as duas maiores cidades do país. Entretanto, dados da correlação da votação por estado apontam que o eleitor paulista vota de forma mais semelhante ao do Acre e do Mato Grosso do que ao do Rio.
“Mesmo o PT, o maior partido, não se distribui nacionalmente de forma uniforme, o que pode acarretar as correlações negativas nos estados onde o partido não é tão organizado”, afirma George Avelino, professor da Fundação Getúlio Vargas. Com informações do jornal O Globo.