Comer muitos alimentos ultraprocessados aumenta significativamente o risco de câncer colorretal nos homens e pode levar a doenças cardíacas e morte precoce em homens e mulheres, de acordo com dois novos estudos feitos em larga escala com pessoas nos Estados Unidos e na Itália, publicados na quarta-feira (31) no periódico médico britânico “The BMJ”.
Os alimentos ultraprocessados incluem sopas pré-embaladas, molhos, pizza congelada, refeições prontas e comidas prazerosas em geral, como cachorros-quentes, salsichas, batatas fritas, refrigerantes, biscoitos comprados em lojas, bolos, doces, rosquinhas, sorvetes e muito mais.
“Literalmente centenas de estudos ligam alimentos ultraprocessados à obesidade, câncer, doenças cardiovasculares e mortalidade em geral”, disse Marion Nestle, professora emérita de nutrição, estudos alimentares e saúde pública da Universidade de Nova York e autora de vários livros sobre política e marketing de alimentos, incluindo “Soda Politics: Taking on Big Soda (and Winning)” de 2015.
“Esses dois estudos mantêm a consistência: os alimentos ultraprocessados estão inequivocamente associados a um risco aumentado de doenças crônicas”, disse Nestle, que não participou de nenhum dos estudos.
Uma conexão para o câncer
O estudo examinou as dietas de mais de 200 mil homens e mulheres por até 28 anos e encontrou uma ligação entre alimentos ultraprocessados e câncer colorretal –o terceiro tipo mais diagnosticado nos EUA– em homens, mas não em mulheres.
Carnes processadas e ultraprocessadas, como presunto, bacon, salame, cachorro-quente, charque e carne enlatada, têm sido associadas a um risco maior de câncer de intestino em homens e mulheres, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, American Cancer Society e o Instituto Americano de Pesquisa do Câncer. O novo estudo, no entanto, descobriu que todos os tipos de alimentos ultraprocessados desempenharam um papel em algum grau.
“Descobrimos que os homens no quintil mais alto de consumo de alimentos ultraprocessados, comparados aos do quintil mais baixo, tinham um risco 29% maior de desenvolver câncer colorretal”, disse a coautora sênior Fang Fang Zhang, epidemiologista de câncer e presidente da divisão de epidemiologia nutricional e ciência de dados na Friedman School of Nutrition Science and Policy, da Tufts University, em Boston.
Essa associação permaneceu mesmo depois que os pesquisadores levaram em consideração o índice de massa corporal de uma pessoa ou a qualidade da dieta.
Situação das mulheres
Por que o novo estudo não encontrou o mesmo risco de câncer colorretal em mulheres? “As razões para tal diferença entre os sexos ainda são desconhecidas, mas podem envolver os diferentes papéis que a obesidade, os hormônios sexuais e os hormônios metabólicos desempenham em homens versus mulheres”, disse Zhang.
“Como alternativa, as mulheres podem ter escolhido alimentos ultraprocessados ‘mais saudáveis’”, disse Robin Mendelsohn, gastroenterologista do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, em Nova York, que não participou do estudo.
A pesquisa descobriu que ter um “maior consumo de laticínios ultraprocessados, como iogurte, foi associado a um menor risco de câncer colorretal em mulheres”, disse Zhang. “Alguns ultraprocessados são mais saudáveis, como alimentos integrais que contêm pouco ou nenhum açúcar adicionado, iogurte e laticínios”.
As mulheres tiveram um risco maior de câncer colorretal se consumissem mais pratos prontos para comer ou aquecer, como pizza, disse ela. No entanto, os homens eram mais propensos a ter um risco maior de câncer de intestino se comessem muita carne, aves ou produtos prontos para comer à base de frutos do mar e bebidas açucaradas, disse Zhang.
“Os americanos consomem uma grande porcentagem de suas calorias diárias em alimentos ultraprocessados –58% em adultos e 67% em crianças”, acrescentou. “Devemos considerar a substituição dos ultraprocessados por alimentos não processados ou minimamente processados em nossa dieta para prevenção do câncer, da obesidade e de doenças cardiovasculares”.
Uma conexão para a morte precoce
O segundo estudo acompanhou mais de 22 mil pessoas por uma dúzia de anos na região de Molise, na Itália. O estudo, que começou em março de 2005, foi projetado para avaliar fatores de risco para o câncer, bem como doenças cardíacas e cerebrais.
Uma análise publicada no “The BMJ” comparou o papel de alimentos pobres em nutrientes –como produtos ricos em açúcar e gorduras saturadas ou trans– versus alimentos ultraprocessados, no desenvolvimento de doenças crônicas e morte precoce. Os pesquisadores descobriram que ambos os tipos de alimentos aumentavam independentemente o risco de morte precoce, especialmente por doenças cardiovasculares.
No entanto, quando os pesquisadores compararam os dois tipos de alimentos para ver qual contribuiu mais, eles descobriram que os alimentos ultraprocessados eram “primordiais para definir o risco de mortalidade”, disse a primeira autora Marialaura Bonaccio, epidemiologista do departamento de epidemiologia e prevenção, no IRCCS Neurologico Mediterraneo Neuromed de Pozzilli, na Itália.
De fato, mais de 80% dos alimentos classificados pelas diretrizes seguidas no estudo como nutricionalmente insalubres também eram ultraprocessados, disse Bonaccio em nota.
“Isso sugere que o aumento do risco de mortalidade não se deve diretamente [ou exclusivamente] à má qualidade nutricional de alguns produtos, mas ao fato de que esses alimentos são em sua maioria ultraprocessados”, acrescentou Bonaccio.
Não é comida de verdade
Por que os alimentos ultraprocessados são tão ruins para nós? Por um lado, são “formulações industriais prontas para comer ou aquecer que são feitas com ingredientes extraídos de alimentos ou sintetizados em laboratórios, com pouco ou nenhum alimento integral”, disse Zhang à CNN.
Esses alimentos excessivamente processados geralmente são ricos em açúcar e sal adicionados, pobres em fibras alimentares e cheios de aditivos químicos, como corantes, sabores ou estabilizantes artificiais.
“Embora alguns alimentos ultraprocessados possam ser considerados mais saudáveis do que outros, em geral, recomendamos ficar completamente longe de alimentos ultraprocessados e focar em alimentos não processados saudáveis, como frutas, vegetais, legumes”, disse Mendelsohn.
Em 2019, o Instituto Nacional de Saúde dos EUA publicou os resultados de um ensaio clínico controlado comparando uma dieta processada e não processada. Os pesquisadores descobriram que aqueles na dieta ultraprocessada comiam em um ritmo mais rápido, e comiam 500 calorias a mais por dia do que as pessoas que comiam alimentos não processados.
“Em média, os participantes ganharam 0,9 kg, enquanto estavam na dieta ultraprocessada e perderam uma quantidade equivalente na dieta não processada”, observou o instituto.
“Existe claramente algo sobre alimentos ultraprocessados que faz as pessoas comerem mais deles sem necessariamente querer ou perceber”, disse Nestle.
“Os efeitos dos alimentos ultraprocessados são bastante claros. As razões para os efeitos ainda não são conhecidas”, continuou Nestle. “Seria bom saber o porquê, mas até descobrirmos, é melhor aconselhar comer alimentos ultraprocessados em pequenas quantidades”. Com informações da CNN Brasil.