Somando Facebook, Instagram, TikTok, Kwai e YouTube, Leonardo agrega 33 milhões de seguidores que acompanham mensagens proselitistas como “Deus é perfeito em amar”. O milagre da multiplicação de visualizações se perpetua por WhatsApp e Telegram.
Foi nesse ecossistema virtual que o catarinense de 32 anos, símbolo do bom-mocismo cristão, interrompeu sua programação normal para algo atípico em seus perfis: falar sobre política.
“Meus queridos, minha missão principal aqui é falar sobre Jesus, mas não posso olhar para o que estamos vivendo e não abrir os seus olhos, sabe?” O colírio ideológico, no caso, o fez se posicionar a favor de Jair Bolsonaro (PL) contra Luiz Inácio Lula da Silva (PT), após evitar o assunto publicamente no primeiro turno.
Leonardo recorreu a uma justificativa replicada por outros influencers cristãos que não costumam entrar de peito aberto na disputa eleitoral, à moda de pastores de influência polpuda nas redes sociais, como Silas Malafaia e Cláudio Duarte.
Ele diz não enxergar no horizonte “uma guerra de dois políticos, mas de duas ideologias”. O atual presidente pode até não ser perfeito, mas é o que tem para hoje contra “uma ideologia que é maligna”, afirma. Saca, então, o argumento bolsonarista de sugerir que o Brasil, sob a guarda da esquerda, vai passar por crises semelhantes às de “irmãos da América Latina” como Venezuela, Nicarágua e Argentina.
O posicionamento de influencers como Leonardo é celebrado pela campanha de Bolsonaro por alcançar um público cristão ainda mais amplo. Não estamos falando, afinal, de líderes pouco acanhados para abraçar bolsonarismo gente como o pastor André Valadão, que atribui à “falta de noção demais” o crente que opta pela esquerda.
O tom politizado pode eletrizar igrejas, mas por vezes assusta fiéis que veem nesses discursos apenas mais um capítulo da polarização que inflama o país. A coisa muda de figura quando propagadores da palavra de Deus que preferiam ficar de fora do debate decidem escolher um lado. O de Bolsonaro.
“É sobre impedir que uma ideologia destruidora tome conta de nosso país”, diz o coach Wendell Carvalho num recado aos seus “imparáveis”, como chama aqueles que o seguem.
Carvalho cita vitórias da esquerda no continente, do Chile à Colômbia, ao pedir que quem lhe assista “coloque a mão na consciência”. Não é sobre homem x versus homem y, “é sobre o que vai acontecer em relação à economia, à família, a valores que são fundamentais”, diz. E reforça que não é “plenamente fã” de Bolsonaro, mas ainda assim fecha com ele.
Só no Instagram, Carvalho é acompanhado por 6,7 milhões de perfis. Há várias respostas mal-humoradas à sua declaração de apoio a Bolsonaro, como a do seguidor que diz: “Engraçado que o PT ficou 14 anos no poder e não viramos Cuba, Venezuela nem Chile. Todos os indicadores econômicos do atual governo apontam pra algo bem pior. Não entendi essa fala”.
Os comentários por ali, contudo, são quase todos favoráveis à mensagem. Tiago Brunet a elogia com um “boa!” e o emoji de duas labaredas. Também ele é exemplo de influencer que bolsonarizou.
Pastor e coach, fundador da Casa de Destino, Brunet é autor de best-sellers como “Especialista em Pessoas: Soluções Bíblicas e Inteligentes para Lidar com Todo Tipo de Gente”. O tipo de presidente com quem o Brasil terá que lidar, se depender dele, não virá do campo progressista.
Posicionar-se é preciso, diz em vídeo postado dois dias após a eleição que deu a Lula 48,4% dos votos válidos e a Bolsonaro, 43,2%. “Está muito fácil fazer isso este ano. Não é uma guerra de homens, não é uma guerra de partidos, eu nem me meto em política. Só que isso extravasou a política, é uma guerra de agenda.”
Brunet contrapõe, na sequência, temas que associa à esquerda (corrupção, drogas, aborto e ideologia de gênero) e à direita (princípios, valores e crescimento econômico). Não é uma escolha difícil, não para ele.
O pastor começa sua fala se colocando como “um pacificador” e dando o conselho para que ninguém seja “Maria vai com as outras”.
O ator Yudi Tamashiro, que tem planos de virar pastor e acumula seus milhões de seguidores na internet, foi com os colegas evangélicos ao declarar a predileção por Bolsonaro. Sofreu ataques por isso, inclusive de seguidores que o questionaram se endossar o presidente que chamou a Covid-19 de “gripezinha” e imitou pacientes com falta de ar era apropriado.
Seu pai morreu da doença na pandemia, o que ele próprio resgatou ao se defender das críticas: “Não preciso lembrar que meu pai se foi por Covid”. Recordou na mesma gravação, publicada depois do primeiro turno, de uma médica que lhe disse que “só um milagre” salvaria o parente. “Eu acredito em milagres e na vontade de Deus. Se Deus quis assim, não é você que vai decidir o que é certo pra mim.”
Yudi ficou famoso pelo “Bom Dia & Cia”, programa infantil do SBT que apresentava ao lado da cantora Priscilla Alcântara, que migrou do gospel para o pop secular e engrossa o time de artistas anti-Bolsonaro.
Nem todos aderem à onda bolsonarista, contudo. A escritora e influencer evangélica Fernanda Witwtzk, que no Instagram é seguida por 673 mil, reproduziu um texto de um pastor que já ocupou um posto no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, então sob guarida de Damares Alves.
Guilherme de Carvalho diz que “o eleitor fanatizado pode ir pra sua versão preferida do inferno”, mas ele prefere “a pátria celestial”. Para chegar lá, “não precisamos vender a alma pra nenhum político”.
Outro pastor influente, que comanda no YouTube o canal Dois Dedos de Teologia, também sinalizou que nenhum dos candidatos o agrada. “Se por não votarmos nem em Lula nem em Bolsonaro estamos ‘lavando as mãos como Pilatos’, então qual dos candidatos é como Jesus Cristo?”
Para o antropólogo Flávio Conrado, um dos coordenadores da Casa Galileia, que monitora redes evangélicas, líderes como Malafaia e os senadores eleitos Damares Alves e Magno Malta “constroem seu capital pastoral junto com o político e se colocam nessa linha de frente”. Acabam servindo de bússola para uma elite de influencers cristãos, “que vão ser pautados por esses cabeças de rede”.
Nomes como Deive Leonardo e Tiago Brunet têm um motivo para não terem ladeado com Bolsonaro antes. “Eles têm muito a perder, dialogam com pessoas diversas. É uma audiência mais ampla do que Damares e companhia.” Indício disso é a incidência de reações negativas aos vídeos que postam a favor da reeleição do presidente, maior do que a vista nas páginas de bolsonaristas de primeira hora.
“Essas figuras são pressionadas a se posicionar, e o fazem de última hora, calculando o tom”, afirma Conrado. O peso que trazem para a campanha é uma ótima notícia para Bolsonaro, que ganha alcance em nichos ainda mais vastos da base evangélica, mas não só. Apesar da identidade cristã, muitos desses influencers difundem conteúdos consumidos por outros grupos, na forma de pílulas de autoajuda. Com informações do Folhapress.