PP, PL, PSD, MDB, União Brasil e Republicanos dominam a distribuição das verbas das emendas de relator, mostra levantamento do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) e do Observatório do Clima. As entidades identificaram os padrinhos de R$ 5,8 bilhões já pagos em 2022, a partir desses recursos que se tornaram moeda de troca do Governo Bolsonaro (PL) em negociações com parlamentares. Os seis partidos respondem por 81% dos valores indicados por deputados e senadores.
Na liderança, os parlamentares do PP emplacaram R$ 706 milhões, e R$ 127 milhões são atribuídos ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Ele é o maior beneficiado da verba já desembolsada. O levantamento cruzou dados de ofícios dos parlamentares com informações da execução do Orçamento entre janeiro e o fim de outubro. No total, há R$ 16,5 bilhões aprovados para emendas de relator em 2022. Foram empenhados R$ 8,64 bilhões, etapa em que o recurso é reservado para uma despesa, e o governo pagou R$ 7 bilhões.
Em geral, a maior parte do recurso é empenhada nos últimos dias de dezembro. O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), criticou a distribuição das emendas de relator durante a campanha, mas a equipe de transição de governo não deve se esforçar agora para mudar a forma de distribuição da verba. Esse tipo de emenda também é conhecida como RP9 e é caracterizada pela falta de transparência sobre quem pede a distribuição da verba.
Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc, afirma que o levantamento reforça a necessidade de o STF (Supremo Tribunal Federal) declarar esse tipo de emenda inconstitucional. “Ainda que a maior parte vá para a saúde ou educação, o critério de repartição não é pela necessidade, prioridade ou republicano, é um critério político e ligado a esses grupos de interesse”, disse Cardoso. “Isso está drenando toda a capacidade do Estado de executar o Orçamento discricionário”, afirmou ainda.
Dos partidos que dominam as indicações de emendas, PSD, de Gilberto Kassab, e MDB se aproximaram de Lula e têm integrantes na equipe do governo de transição. “Hoje, de cada R$ 100 reservados para despesas não obrigatórias, como para o combate ao desmatamento, pelo menos R$ 15 são distribuídos sem nenhuma transparência, de acordo com a vontade de parlamentares”, disse Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
Ele afirma que “esse é o dinheiro que falta para combater o crime ambiental, para as farmácias populares e para matar a fome de milhões de brasileiros que hoje não têm o que comer”. Após cobrança do STF por maior transparência sobre as emendas, o Congresso passou a divulgar neste ano na internet ofícios de parlamentares com as indicações de distribuição da verba.
Ainda assim, os parlamentares encontraram brechas para esconder o verdadeiro padrinho da emenda. Isso porque pessoas registradas no sistema como “usuário externo”, que não são deputados ou senadores, têm assinado as indicações. O levantamento conseguiu identificar cerca de R$ 1,85 bilhão pago pelo governo em 2022 a partir da indicação feita por esses usuários.
A PF (Polícia Federal) prendeu em outubro os irmãos Roberto Rodrigues de Lima e Renato Rodrigues de Lima, que atuavam como intermediários na captação da verba de RP9 para a saúde. Na análise feita pelo Inesc e pelo Observatório do Clima, Roberto aparece como padrinho de pagamentos que somam cerca de R$ 31,3 milhões. A análise dos dados pelas entidades exigiu extrair manualmente os dados de dezenas de ofícios de parlamentares e cruzar com CNPJs encontrados nas informações da execução do Orçamento.
Não foi possível atribuir a autoria da indicação de outro R$ 1 bilhão pago de RP9, pois mais de um parlamentar ou “usuário externo” havia direcionado a verba ao mesmo CNPJ. O Fundo Municipal de São Gonçalo (RJ) está no topo da lista de destinos das indicações deste ano, com R$ 126,2 milhões, sendo que R$ 120 milhões têm como padrinho um “usuário externo”, o funcionário da prefeitura da cidade Carlos Pereira Júnior.
O segundo principal destino das indicações é a Codevasf, estatal envolvida em escândalos de corrupção e clientelismo durante a gestão de Bolsonaro, como revelou série de reportagens da Folha. O TCU (Tribunal de Contas da União) entregou à equipe de Lula um relatório com críticas à gestão de diversos órgãos da administração federal. Nesse documento, os auditores apontam que a Codevasf não faz “análise criteriosa” sobre o interesse social e a necessidade das obras, e que aumentou a dependência da estatal sobre as emendas parlamentares.
Depois de Lira e Carlos Pereira Júnior, os nomes no topo da lista de autores de indicações de RP9 já pagas são o senador Jader Barbalho (MDB-PA), Dener Bolonha, funcionário do Hospital do Amor, em Jales (SP), e o senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB). A lista de autores das indicações tem 2.031 nomes extraídos dos ofícios divulgados pelo Congresso, sendo que o levantamento conseguiu cruzar pagamentos de 1.454 deles.
A diferença ocorre porque nem todas as indicações são executadas —as emendas RP9 não são impositivas. Em alguns casos ainda é praticamente inviável apontar quem emplacou a liberação da verba por causa da falta de transparência. A equipe de Lula teme que uma decisão do STF contra as emendas RP9 atrapalhe na aproximação do futuro governo com Lira.
Peça-chave na negociação com o Congresso para aprovar a PEC da Transição, o presidente da Câmara defende a continuidade das emendas RP9. Para Alessandra Cardoso, a dificuldade de mudar o rumo da distribuição dessa verba no Congresso reforça a importância do julgamento do STF.
“A gente espera que esse caminho seja encaminhado o mais rápido possível. O que estamos vendo é um sangramento absurdo desses recursos, sem que haja prioridades”, disse ela. Hoje há quatro tipos de emendas: as individuais (com a mesma cota para cada deputado e senador), as de bancada, de comissão e as do relator. A proposta de Orçamento para 2023, que está em discussão no Congresso, tem cerca de R$ 19 bilhões reservados para esse tipo de verba. Redação de Mateus Vargas da Folha de São Paulo.