Os ataques aos Três Poderes em 8 de janeiro levaram os senadores Fabiano Contarato (PT-ES) e Alessandro Vieira (PSDB-SE) a apresentarem propostas que endurecem as punições contra os crimes contra o Estado Democrático de Direito. Desde a divulgação do resultado da eleição presidencial de 2022, que reconheceu a vitória nas urnas de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), manifestantes inconformados com as regras democráticas passaram a contestar o resultado do pleito.
Uma turba se aglomerou em frente a quartéis-generais do Exército, sugeriu ao então presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), assim como aos comandantes das Forças Armadas, a tomada de medidas inconstitucionais e antidemocráticas como a “intervenção federal” e a “intervenção militar”. Tudo isso valendo-se de uma “interpretação esdrúxula e inconsequente” do artigo 142 da Constituição Federal, “em nítido desrespeito ao Estado Democrático de Direito”.
Essa movimentação golpista e antidemocrática atingiu o ápice no dia 8 de janeiro de 2023. Bolsonaristas radicais invadiram os prédios que abrigam as sedes do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Palácio do Planalto, depredaram o patrimônio público, afrontaram os principais símbolos dos Poderes da República, além de causar temor em toda sociedade brasileira.
Golpistas inelegíveis
Esse cenário motivou o petista capixaba a apresentar um projeto de lei complementar para incluir a condenação pelos crimes contra o Estado Democrático de Direito, que já são previstos no Código Penal, no rol daqueles que dão ensejo à inelegibilidade para qualquer cargo. Já a proposta do tucano de Sergipe inclui a motivação política entre as justificativas para a condenação por atos terroristas.
A proposta de Contrato, o Projeto de Lei Complementar (PLP 28/23) , acrescenta esse impeditivo na chamada lei das inelegibilidades (Lei Complementar 64/1990), que prevê a inelegibilidade para qualquer cargo dos que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de oito anos após o cumprimento da pena, por crimes como: contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência; contra o meio ambiente e a saúde pública; crimes eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade; e crimes de abuso de autoridade.
“É fundamental inserir na Lei das Inelegibilidades, que foi complementada pela Lei da Ficha Limpa, a previsão expressa de que os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, pelo cometimento dos crimes contra o Estado Democrático de Direito sejam considerados inelegíveis e, portanto, não possam disputar eleições para cargos legislativos ou executivos. Quem ataca a democracia não pode participar do processo democrático. Essa compreensão jurídico-constitucional foi reforçada por fatos recentíssimos”, diz o senador Fabiano Contarato (PT-ES).
Contarato explica que a proposta tem o objetivo de criar mecanismos adicionais de defesa do Estado Democrático de Direito, e pretende assegurar a normalidade e a legitimidade das eleições, conforme determina a Constituição Federal.
Atos terroristas
Já a proposta de Vieira, o PL 83/2023, inclui a motivação política entre as justificativas para a condenação por atos terroristas. O senador argumenta que a inclusão é necessária porque a redação atual da Lei Antiterrorismo (Lei 13.260/2016) não classificaria os ataques de 8 de janeiro como terroristas, por não atenderem a um dos requisitos para essa tipificação: a constatação de que houve xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião.
O tucano observa que também levou em consideração os 11 episódios de ataques a torres de energia registrados em janeiro. Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), esses atos de vandalismo resultaram em 16 linhas danificadas e quatro derrubadas. O senador destaca ainda que seu projeto não tem o objetivo de proibir manifestações políticas com finalidades legítimas — que, acrescenta ele, já estão protegidas por lei.
Legislação em vigor
A Lei Antiterrorismo em vigor define que “o terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo [art. 2º], por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”.
O PL 83/23 inclui “razões políticas” nesse trecho: “O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo [art. 2º], por razões políticas, de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade”
Além disso, a proposta que muda a Lei Antiterrorismo acrescenta um outro artigo a esse texto para garantir que as aplicações da norma não excluam o uso conjunto do Código Penal e de outras regras — como aquelas que definem os crimes contra o Estado democrático de direito.
Uma outra alteração importante: o projeto estabelece que caberá ao STF o julgamento e o processamento desses crimes. Vieira explica que, “considerando a relevância da Lei Antiterrorismo, entendemos pertinente uma alteração para que os investigados e acusados se submetam à jurisdição do Supremo Tribunal Federal. Para tanto, apenas substituímos ‘Justiça Federal’ por ‘Supremo Tribunal Federal’ e ‘juiz’ por ‘relator’, sem alterar o trâmite processual”.
O texto prevê que o relator das denúncias será escolhido na forma regimental, a pedido do Ministério Público ou mediante representação de delegado de polícia. E que, depois de ouvido o Ministério Público, dentro de 24 horas, esse relator poderá decretar medidas de bloqueio de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado.
Também caberia ao relator determinar a liberação, total ou parcial, de bens, direitos e valores quando comprovada a licitude de sua origem e destinação, mantendo-se bloqueados os bens, direitos e valores necessários e suficientes à reparação dos danos e ao pagamento de prestações pecuniárias, multas e custas decorrentes da infração penal.
As modificações previstas no PL 83/2023 alteram, além da Lei Antiterrorismo, outras duas normas: a Lei 7.960/1989, que regula a prisão temporária, e a Lei 12.850/2013, que define organização criminosa.
STF
Para garantir que o projeto tenha base constitucional, será apresentada uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para instituir a competência do STF no julgamento e no processamento desses casos — que atualmente são julgados pela Justiça Federal.
Ao justificar a medida, Vieira ressalta que “os crimes de terrorismo são excepcionais e só podem ser aplicados no sistema processual penal com a máxima cautela, seja em razão das elevadas penas, seja porque as medidas assecuratórias são gravosas. Ainda há que se ter o cuidado de que manifestações sociais válidas e reivindicatórias de direitos não sejam penalizadas sob a lei antiterror”.
Convenções internacionais
Várias convenções internacionais dão embasamento ao PL 83/2023, como a Convenção Internacional sobre a Supressão de Atentados Terroristas com Bombas; a Convenção Internacional para Supressão do Financiamento do Terrorismo; e a Convenção Internacional para a Supressão de Atos de Terrorismo Nuclear (internalizadas no Brasil, respectivamente, pelo Decreto 4.394/2002, pelo Decreto 5.640/2005 e pelo Decreto 9.967/2019).
Essas convenções estipulam que cada país deve adotar as medidas necessárias, incluindo a adoção de legislação interna, para assegurar que os atos terroristas não possam ser justificados por considerações de natureza política, filosófica, ideológica, racial, étnica, religiosa ou outra similar, e que sejam reprimidos com penas compatíveis com sua gravidade. Redação da Revista Fórum com informações da Agência Senado.