Ao contrário dos números oficiais que apontam 698 mil mortes por Covid-19 e 37 milhões de infecções da doença no Brasil durante o período de pandemia, um estudo do Conselho Nacional de Secretarias de Saúde (Conasems) mostra que entre 2020 e 2022 o país registrou 1.142.300 mortes além da curva demográfica prevista. De acordo com especialistas, essa seria a quantidade real de vítimas diretas e indiretas da Covid-19 no Brasil e das políticas patéticas de combate à emergência sanitária sob o então governo Bolsonaro.
O estudo, atualizado no último dia 6 de fevereiro, se chama Aumento das mortes no Brasil, Regiões, Estados e Capitais em tempo de Covid-19: excesso de óbitos por causas naturais que não deveriam acontecido’ e contém uma série de gráficos que dividem as mortes por estado, região e semana epidemiológica, utilizando como fonte o Serviço de Informação de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde.
A pesquisa aponta que além das mortes causadas diretamente pelo vírus, das quais se soma 20% como cálculo de subnotificação uma vez que as mortes por Síndrome Respiratória Aguda Grave dispararam no período, houve também mais de 300 mil óbitos relacionados a outras doenças que não tiveram acompanhamento adequado, ora por questão do isolamento social que adiou ou paralisou tratamentos, ora pela própria incapacidade do sistema de saúde em absorver a totalidade de pacientes.
No gráfico a seguir é possível observar a taxa de mortes dividida por ano e semana epidemiológica da pandemia em comparação com os cinco anos anteriores. Nele, é possível observar que as 310.431 mortes de 2020 estiveram 25% acima da mortalidade esperada para o ano. Em 2021, o ano mais mortal do triênio pandêmico, as 563.896 mortes estiveram 47% acima do esperado. Já no ano passado, as 267.973 mortes voltaram aos níveis de 2020 e estiveram “apenas” 24% além do previsto.
“Para além dos números oficialmente reconhecidos de mortes por Covid-19, trata-se de uma mortalidade causada predominantemente por fatores associados ao impacto de uma grande epidemia, como explica a nota técnica do estudo, responsáveis pelo adiamento e interrupção de acompanhamentos e tratamentos que ceifaram uma quantidade inaudita de vidas. Enquanto Bolsonaro e o general Pazzuello sabotavam as políticas de prevenção, conforme demonstrado pelo estudo A linha do tempo da estratégia federal de disseminação da covid-19 (2021), da Faculdade de Saúde Pública da USP, os hospitais se entupiam de pacientes de covid. Dessa forma, variados tratamentos e cirurgias urgentes deixavam de ser feitas por conta do isolamento social ao qual pessoas necessitadas de acompanhamento médico foram forçadas e, sobretudo, à falta de qualquer coordenação federal em políticas de saúde”, diz trecho da reportagem de Gabriel Brito, para o Outra Saúde, que revelou os dados da nova pesquisa com exclusividade.
Atualmente, o Brasil retoma quase que integralmente as suas atividades, inclusive com o fim da obrigação do uso de máscaras em transportes coletivos e na maioria dos ambientes fechados. Cerca de 80% da população já completou o primeiro esquema vacinal, e outros 50% já receberam pelo menos uma dose de reforço. A sociedade já trata o período como página virada. No entanto, a partir da pesquisa do Conasems, especialistas indicam que estaríamos às porta de uma chamada “pandemia da pandemia”.
Resumidamente, o termo faz referência às demandas médicas e hospitalares que foram represadas e se acumularam durante o triênio de pandemia. São consultas, exames, cirurgias e internações que deveriam ter sido realizadas no período pandêmico mas que, sem que tenham ocorrido, podem ocasionar daqui em diante uma escalada de adoecimentos e mortes. A quantidade desses procedimentos represados é incalculável.
Não é por acaso que o Governo Lula recentemente lançou o novo programa Mais Médicos que, entre seus objetivos principais, busca reduzir as filas para exames e cirurgias do SUS. Este é o principal objetivo da atual ministra da Saúde e ex-presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, que anunciou um pacote de R$ 600 milhões para agilizar as filas. De acordo com Wilames Freira, o presidente do Conasems, o SUS precisaria de ao menos R$ 3,5 bilhões ao longo dos próximos 4 anos, para zerar as filas e garantir a manutenção da mão de obra no setor.
“Durante a pandemia apareceram muitos termos. Falaram em coisas como ‘paciente invisível’, por exemplo. O impacto desta ‘pandemia da pandemia’ será mundial e generalizado, como alguns países já sentem. Já se percebe um impacto forte em relação ao câncer, porque diagnósticos e rastreamentos quase pararam na pandemia. A pessoa sentia determinada dor, mas não ia ao hospital com medo da infecção. Postergou uma colonoscopia por dois anos, o câncer de cólon cresceu mais do que devia, quando poderia ter sido retirado em três meses, ela recebe um prognóstico bem pior, um tratamento mais agressivo e vem a óbito. Essa vai ser uma realidade dos próximos anos”, alertou Alessandro Bigoni, pesquisador da Faculdade de Saúde Pública da USP. As informações são da Revista Fórum.