Trechos das investigações do Grupo de Atuação Especializada e Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público e da 48ª DP (Seropédica) mostram como o miliciano Danilo Dias Lima, o Tandera, conduziu uma reunião com pré-candidatos a prefeituras de municípios da Baixada Fluminense – e chegou a colocar um fuzil sobre a mesa.
De acordo com o Gaeco, o encontro aconteceu em abril de 2020, antes das eleições daquele ano, e tinha por objetivo negociar apoio das regiões comandadas por eles em troca de vantagens como secretarias e licitações, caso alguns dos presentes fossem eleitos.
Um quarto pré-candidato participou da reunião, mas não foi denunciado pelo MP. Também de acordo com as investigações, as gravações foram feitas pelo miliciano e seu bando para possíveis chantagens posteriores. Nas imagens, é possível ver sempre os pré-candidatos em primeiro plano e, em dado momento, Tandera chega a perguntar se teria problema colocar seu fuzil sobre a mesa do encontro. “Se incomodam?”, questiona.
‘Poder é a caneta’
Todos respondem que “não” em uníssono, demonstrando “medo e respeito” por Tandera, de acordo com o documento elaborado pelo MP. Em outro momento do encontro, Tandera volta a fazer menção à arma, mas enaltece o poder dos convidados.
“Isso aí [em referência ao fuzil] é pra guardar a minha vida, guardar a vida de vocês, guardar a vida do morador. Guardar a vida até de quem vai contra. Mas o potencial mesmo está aí: a caneta!”.
Em outro trecho, o miliciano dá a entender que poderia fazer exigências, mas que prefere negociar: “Eu poderia muito bem chegar aqui e falar assim: eu quero 50 fuzil (sic) de cada município! Eu poderia chegar aqui ó, eu quero R$ 5 milhões de cada município. Impossível de se negociar assim, ta me entendendo?…”, diz.
Na sequência, esclarece o que quer: “Aqui você vai estar confortável, vai estar protegido. Em compensação, depois que vocês assumirem, eu vou querer alguma vantagem. A gente tem que ter o direito a uma licitação. A gente tem que ter o direito a alguma secretaria. Tá me entendendo? Aí as coisas andam, aí a gente faz um elo”, propõe o miliciano.
Nem Thay, nem Luciano – que chegaram a concorrer às eleições de 2020 – , se elegeu: ambos terminaram na terceira posição das eleições municipais. Cornelio, Luciano e Thaiana foram denunciados pelo Ministério Público por negociar com a milícia de Tandera e foram alvos de busca e apreensão no dia 3 de maio.
A operação do dia 3 também teve mandados de prisão. Entre os presos, estão os cinco milicianos:
Denys Cleberson (Sardinha);
Jackson Oliveira;
Alex Sandro Vieira (Melecão);
Victor Valladares;
Diego Leite de Assis (Bebezão).
Dos 17 denunciados pelo Ministério Público, 14 são integrantes da milícia. “Nós identificamos relacionamentos dessa organização com a política, uma tentativa de obter secretarias, cargos públicos, contratos administrativos por meio de licitações fraudulentas, o que revela o quão complexa se tornou essa organização criminosa”, afirmou a promotora do Gaeco, Glaucia Mello. Procurados, Thaianna Cristina e Luciano Henrique Pereira e Cornelio Ribeiro não responderam às perguntas até a publicação desta reportagem.
Rainha de bateria
Além de candidata e dentista, Thaianna também tem outra ocupação: foi rainha de bateria da Paraíso da Tuiuti em 2022 e madrinha de bateria da Acadêmicos de Niterói em 2023. Usando o nome artístico de Thay Magalhães, ela se envolveu em uma polêmica com a então princesa da bateria da Tuiuti, Mayara Lima. Thay deixou o posto de rainha de bateria logo após o carnaval de 2022.
Operação
Agentes saíram para cumprir 13 mandados de prisão e 25 de busca e apreensão. Até a última atualização desta reportagem, cinco pessoas haviam sido presas. De acordo com as investigações, a quadrilha é responsável por extorsões, homicídios, ameaças, grilagem de terras, agiotagem, exploração ilegal de areais, lavagem de dinheiro, entre outros crimes, principalmente nos municípios do Rio de Janeiro, Nova Iguaçu, Queimados e Seropédica.
Os mandados foram expedidos pela 1ª Vara Criminal Especializada da Capital e a ação conta com o apoio da Coordenadoria de Segurança e Inteligência (CSI/MPRJ).
Quem é Tandera
Tandera domina regiões de Nova Iguaçu e de Seropédica, na Baixada Fluminense. Até 2020, Tandera integrava a maior milícia do RJ, mas rompeu com Wellington da Silva Braga, o Ecko, que então chefiava o grupo paramilitar. Com a morte de Ecko em uma ação da polícia em junho de 2021, Tandera tentou tomar dos rivais áreas de Santa Cruz e Paciência, na Zona Oeste do Rio, mas acabou rechaçado. Irmão de Ecko, Luis Antônio da Silva Braga, o Zinho, herdou a quadrilha no mês seguinte e manteve Tandera como inimigo.
A milícia de Tandera tinha vasto poderio bélico. Em agosto do ano passado, a polícia apreendeu 16 fuzis que pertenceriam ao paramilitar. Uma das armas era um fuzil do Exército americano capaz de atingir um alvo com precisão a 400 metros de distância. Na identificação, estava escrito “propriedade do governo dos Estados Unidos”. A numeração tinha sido raspada.
Também naquele mês, a polícia apreendeu um carro-forte usado pelos milicianos para intimidar desafetos e para proteger criminosos durante confrontos com rivais. A quadrilha, no entanto, vem enfraquecendo, com sucessivas operações. Irmão de Tandera, Delso Lima Neto, o Delsinho, foi morto em uma ação da polícia em agosto de 2022. Ele era o segundo na hierarquia do grupo paramilitar. As informações são do g1/RJ.