A retomada de áreas de garimpo por invasores após operações, a falta de controle dos surtos de malária e a dificuldades na produção e distribuição de alimentos fizeram com que a Terra Indígena Yanomami mantivesse a mortalidade elevada após um ano de ações e promessas do governo Lula (PT) para a região.
Em 2023, o primeiro com ações emergenciais em saúde na terra indígena, o Ministério da Saúde registrou 363 óbitos de yanomamis, uma quantidade que supera os registros de 2022, com 343 mortes computadas.
Profissionais de saúde não comparam os dois anos em razão da subnotificação elevada de casos no último ano do governo Jair Bolsonaro (PL). O aumento da vigilância na gestão Lula, com maior notificação de óbitos a partir da presença de equipes nas comunidades, pode refletir nos dados.
O índice de mortalidade no território no ano passado é bem superior, por exemplo, ao verificado em Boa Vista, cidade que é a base para a entrada no território tradicional por via aérea. A depender da base utilizada para comparação, o índice pode chegar ao dobro do verificado na capital de Roraima.
No território, vivem 27.152 indígenas, conforme os dados do Censo 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Ou 31.007 indígenas, levando em conta os dados da Sesai (Secretaria de Saúde Indígena), do Ministério da Saúde. A diferença é objeto de uma averiguação em inquérito conduzido pelos dois órgãos. Assim, a mortalidade em um ano no território pode variar de 1,17% a 1,33%, a depender da base utilizada.
Em Boa Vista, dados de registro civil compilados pelo IBGE mostram 3.079 mortes em 2021. O Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Datasus, registra 2.507 mortes em Boa Vista em 2022. A cidade tem 413.486 moradores, segundo o Censo. A proporção de mortes, assim, fica entre 0,6% e 0,74%. As estatísticas de mortes de yanomamis oscilam a cada revisão feita. Segundo o Ministério da Saúde, os próprios dados de 2023 podem mudar.
Uma tabela informada por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação), por exemplo, aponta a seguinte quantidade de óbitos de indígenas, registrados pelo DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena) Yanomami: 240 em 2018, 263 em 2019, 334 em 2020, 354 em 2021 e 315 em 2022. A tabela informava que os dados de 2020 em diante eram preliminares, sujeitos a alteração. De fato, um novo dado fornecido via LAI apontou a ocorrência de 343 mortes em 2022.
O boletim sobre as ações de emergência, com dados até novembro de 2023, mostra que mais da metade dos óbitos foi de crianças de até quatro anos. Entre as causas principais das mortes estão pneumonia, diarreia, malária e desnutrição. Os casos de malária somam mais de 25 mil.
Reportagens publicadas pela Folha em janeiro, um ano após a declaração de emergência em saúde pública, mostraram a relação direta entre a retomada de força do garimpo ilegal de ouro e cassiterita e o adoecimento dos indígenas, com persistência de casos de desnutrição grave e de doenças associadas à fome, como pneumonia e diarreia.
A retomada de áreas de garimpo por invasores ocorreu a partir de um enfraquecimento das ações de repressão no segundo semestre de 2023. Hoje, a estimativa é de que 3.000 garimpeiros permaneçam na região —enquanto cerca de 20 mil não indígenas estavam no território em 2022, estimulados pelo governo Bolsonaro. Essa presença é preocupante porque grupos organizados, parte deles vinculada a facções criminosas, impedem o acesso de equipes de saúde.
Além disso, há avanço direto dos garimpos sobre aldeias e malocas, com contaminação da água, desestruturação comunitária, cooptação de jovens e adultos e destruição ou abandono de roças, o que tem reflexo direto nos hábitos alimentares. A circulação de invasores, ainda que em quantidades bem menores do que no auge da invasão garimpeira, também está relacionada aos surtos sucessivos de malária.
Profissionais de saúde consideram que todos os cerca de 5.000 indígenas da região de Auaris, na fronteira com a Venezuela, tiveram malária em 2023. É comum que a doença esteja associada à desnutrição, e a outras doenças, como pneumonia. Isso também impede o trabalho na roça, agravando o ciclo de falta de alimentos nas comunidades.
Em comunidades como Kayanaú, onde o posto de saúde seguia fechado em meados de janeiro, o garimpo se intensificou e tornou impossível a ação de profissionais de saúde, que desconheciam o destino e as condições de saúde de mais de 300 yanomamis que viviam em cinco aldeias da região.
Falhas de logística da operação de emergência também prejudicaram o controle da desnutrição. Como a Folha mostrou, em nenhum dos meses de 2023 o governo Lula conseguiu cumprir a meta necessária de distribuição de cestas básicas aos indígenas yanomamis.
A missão dependia diretamente do empenho das Forças Armadas, mas sofreu com a falta de “constância mínima de esforço” dos militares. A derrocada da operação com a desmobilização dos militares causou o encalhe de mais de 34 mil cestas básicas no final do ano.
A Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) calculou que seriam necessárias 9.000 cestas por mês para garantir o suprimento alimentar aos povos. Cerca de 8.300 unidades precisariam ser entregues por meio aéreo, com apoio da FAB (Força Aérea Brasileira). Relatórios indicam que o governo nem chegou perto deste patamar. Jornal da Chapada com informações do portal Política Livre.