Por Luiz Carlos Suíca*
Quero lembrar a importância da mobilização popular contra todas as formas de opressão que tem na Revolta dos Búzios, Revolta dos Alfaiates ou Revolta das Argolinhas, com início no dia 12 de agosto de 1798, um dos seus símbolos que deve ser perpetuado como marco contra a arbitrariedade. Há uma proposição aprovada pela Câmara Municipal que precisa ser lembrada para recuperar a história de minha categoria nesta Casa. O então vereador Paulo da Anunciação apresentou a proposta de colocação de bustos, na Praça da Piedade, dos alfaiates Manuel Faustino e João de Deus e dos soldados Luís Gonzaga das Virgens e Lucas Dantas, mortos em 8 de novembro de 1798 na Revolta dos Búzios. No dia 23 de abril de 2001 o projeto foi aprovado e os bustos lá estão ou devem estar para contribuir com a recuperação da participação negra e popular na História do Brasil e elevar a autoestima dos afrodescendentes.
Os nomes desses heróis já constavam nos portais da Praça da Piedade, mas a fixação dos bustos concretiza e torna visíveis as figuras deles. Creio que preservando e revendo nossa História podemos construir um futuro muito melhor para todos. Lembro que Paulo da Anunciação também tem sua origem na categoria dos trabalhadores em limpeza. O sonho de construção de um Brasil onde não houvesse desigualdade econômica e social e onde pessoas não fossem julgadas de acordo com cor da sua pele sempre esteve e está presente. A Revolta dos Búzios recebeu estes nomes devido ao fato de usarem um búzio preso à pulseira para facilitar a identificação entre si, por usarem uma argola na orelha com o mesmo fim e também por que alguns dos conspiradores eram alfaiates. Foi formada por pessoas de várias etnias e classes sociais, desde escravos, negros livres, soldados, oficiais militares, sapateiros, carpinas, comerciantes, padres, etc., que aderiram ao movimento.
No dia 12 de agosto de 1798, em dez locais diferentes da cidade do Salvador amanheceram com um manifesto colado em suas paredes, que dizia: “Está pra chegar o tempo feliz da nossa liberdade; o Tempo em que seremos irmãos: o tempo em que todos seremos iguais”. “Homens, o tempo da liberdade para nossa ressurreição; sim para ressuscitareis do abismo da escravidão, para levantareis a sagrada Bandeira da Liberdade”. ”Ó vós povos que viveis flagelados com pleno poder do indigno coroado esse mesmo Rei que vós criastes; esse mesmo Rei tirano há que se firmar no trono para vos veixar, para vos roubar e para nos maltratar”.
Apesar de bacharel e licenciado em História não quero me prender ao relato histórico. Quero fazer um paralelo entre o racismo da época e o de hoje. No dia 23 de agosto, o autor do manifesto, Luiz Gonzaga das Virgens e Veiga, soldado, negro, foi capturado pelas forças de repressão do governo colonial. Pouco a pouco os revoltosos foram sendo presos, porém todos os intelectuais brancos e detentores do poder econômico foram perdoados; os que foram castigados foram degredados para Fernando de Noronha, ou para a África. Apenas os negros foram severamente punidos, a fim de servir de exemplo para aqueles que teimassem em sonhar com um Brasil livre, democrático e sem preconceitos.
É isso que queremos construir com a maioria da população: Um País de iguais onde exista verdadeiramente igualdade de oportunidades. Estamos acompanhando com tristeza o massacre da juventude negra no Subúrbio Ferroviário quando diversos jovens foram mortos e sequestrados em pleno julho/agosto de 2014. Contra esse absurdo já lutavam nossos ancestrais na Revolta dos Búzios. A importância histórica não fica somente no anticolonialismo. Já apresentava passos que ainda trilhamos nos seus aspectos sociais em sua avançada formulação política. Influenciadas pela filosofia iluminista e pelas revoluções de 1789 e 1792 na França, essas idéias ganharam cor e local na Bahia. Por isso mesmo a concepção de igualdade perante a lei tomou ênfase na igualdade de cor; uma repulsa as discriminações pela cor que então atingiam a Bahia. Atingiam e continuam atingindo.
O movimento desencadeado com a publicação de manifestos na manhã do dia 12 de agosto de 1798 fazia severa denúncia da exploração colonial, expressavam sentimento de independência, reivindicava igualdade de todos perante a lei. A Revolta dos Búzios não durou apenas de 12 a 25 de agosto de 1798, influenciados pelos ideais da Revolução Francesa, os negros e mestiços de Salvador sonharam em criar uma sociedade, justa, igualitária e com liberdade para todos. Escreveram um projeto de Brasil diferente deste que hoje vivemos e que com unidade vamos transformar e fazer avançar ainda mais as conquistas que acumulamos até aqui. Encerro utilizando um aviso espalhado pelas ruas da cidade naquela ocasião: “Aviso ao povo bahianense, que está para chegar o tempo feliz da nossa liberdade, tempo em que todos seremos
*Luiz Carlos Suíca é vereador em Salvador pelo PT eleito com 8.222 votos.