A decisão judicial que absolveu nove policiais envolvidos na ação policial que deixou 12 mortes no bairro do Cabula, no mês de fevereiro, em Salvador, foi publicada Diário de Justiça Eletrônico desta segunda-feira (27). Na sentença, a juíza substituta Marivalda Almeida Moutinho, da 2ª Vara do Tribunal do Júri, se baseia na legítima defesa dos suspeitos. O Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA), autor da denúncia contra os policiais, já anunciou, por meio do promotor responsável, Davi Galo, que irá recorrer da decisão ainda nesta semana.
“O conjunto de circunstância empresta forte colorido de legitimidade à conduta dos acusados, que agredidos moral e fisicamente, viram-se na contingência de defender-se, o que fez, aliás, de modo moderado, com o meio de que dispunha, é de se reconhecer a excludente de legítima defesa, art. 25 do Código Penal”, diz trecho da decisão. O argumento da juíza é o mesmo que consta no inquérito do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). O entendimento é diferente do apontado pelo MP, que acusou os PMs de execução sumária.
O promotor Davi Galo aponta supostos “erros” cometidos pela juíza, entre eles a absolvição, na mesma sentença, de um policial que não chegou a ser acusado no processo que envolve o caso Cabula. Segundo Davi Galo, o soldado Luciano Santos de Oliveira foi apenas citado pela promotoria porque, em outra ocasião, estaria na companhia de um dos PMs denunciados pelas mortes no Cabula. “Ele [Luciano], com um dos indivíduos acusados, teria matado um adolescente tempos atrás. Apenas juntamos essa peça para fundamentar a acusação. Só que ele não faz parte do processo [do caso Cabula]”, explica o promotor. O Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) não comentou a decisão.
Também conforme Galo, a decisão da juíza desrespeitou o Código de Processo Penal, ao usar o artigo 330 do Código de Processo Civil, que prevê o “julgamento antecipado da lide”, dispositivo da lei que permite ao magistrado verificar que estão presentes todos os elementos necessários para uma decisão de procedência independente de maior instrução de provas. “É tanta barbaridade nesta decisão. Tenho 20 anos de Ministério Público e nunca vi uma barbaridade tão grande”, acusa. Além disso, o promotor também aponta que o MP deveria ser intimado pela Justiça sobre o inquérito, o que não foi feito. O recurso contra a decisão deve ser interposto pela Promotoria até quarta-feira (29).
O advogado dos policiais, Dinoermeson Tiago Nascimento, contesta a Promotoria e afirma que, assim como o MP, que é parte do processo, recebeu a intimação. Ele nega que a decisão seja incomum. “Não é decisão rara, como o processo já estava maduro, a juíza entendeu que tinha legítima defesa e absolveu sumariamente”, alega. Ele diz ainda que a absolvição é uma “vitória da sociedade”, porque a Justiça teria reconhecido que os PMs agiram em legítima defesa. “O arcabouço judicial serviu como parâmetro para decisão da juíza [Marivalda]”, afirma.
O líder do Movimento Reaja ou Será Morto, Hamilton Borges, considera a decisão “política”, mas confia que será revertida após recursos do Ministério Público. “Nenhum corpo de magistrados vai permitir que a Bahia seja envergonhada com esse setor do Judiciário que não dá valor à vida e à verdade real. É uma perspectiva preguiçosa. O processo penal é longo e, dessa forma, lembra os tribunais de exceção” , avalia. Ele conta que o movimento planeja protestar contra a decisão na Marcha Internacional Contra o Genocídio, no dia 22 de agosto, em Salvador, e promete acionar a comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre o assunto.
Nesta segunda-feira (27), o governador da Bahia, Rui Costa, afirmou que não pretende comentar a absolvição dos policiais. “Não comento decisão judicial. Até porque, até onde sei, não conheço essa decisão. Porque o julgamento está em segredo de Justiça. Tomei até um susto quando vi a imprensa comentando isso”, declarou Rui, durante a cerimônia do ato da ordem de serviço das obras de requalificação do Centro Antigo.
O governador ainda sugeriu que a Justiça e o Ministério Público apurem o vazamento da informação antes da divulgação no Diário de Justiça. “Acho que as responsabilidades eventualmente devem ser apurada. Se alguém descumpriu a lei ao furar ou burlar o sistema e ter acesso ao suposto resultado”, disse Rui. A Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) informou que não comenta decisões da Justiça. Matéria extraída na íntegra do Portal G1.