Por Felipe Gonzalez*
No final do mês de julho, o presidente dos Estados Unidos da América fez uma nova viagem pela África. O próprio fato da viagem em si não foi uma sensação, e tampouco as notícias o foram. Tudo ocorreu como de costume durante as visitas de líderes norte-americanos a países do terceiro mundo. Até as palavras. O discurso de Barack Obama na sede da União Africana em Addis Abeba recordava, por vezes, a conversa de um brilhante estudante de curso superior com os alunos de uma escola rural, com os quais ele veio falar, aproveitando para dar-lhe lições de vida.
Em tais encontros sempre se pronunciam palavras corretas, que quase nunca são compreendidas pelo auditório. Isso é fácil de explicar. Os alunos das escolas rurais não têm o conhecimento e a experiência de um estudante da capital e o estudante tem uma ideia muito vaga da vida rural. “Ninguém deve ser presidente vitalício”, – disse o presidente, observando que, ao aferrar-se ao poder, alguns líderes africanos freiam o desenvolvimento da democracia em seus países.
Palavras douradas. A democracia pressupõe a alternância no poder, ninguém contesta isso. Só que o tom didático usado por Obama estragou tudo, pois ele está convencido, à maneira americana, de que diz a verdade suprema. Esquecendo-se de que entre os Estados Unidos e a África há aproximadamente a mesma diferença que existe entre uma megalópole do século XXI e uma aldeia de cem anos atrás.
Os Estados Unidos, periodicamente, dão lições sobre democracia não só aos africanos, mas também aos latino-americanos, aos árabes, aos russos e a muitos outros. O que resultou da Primavera Árabe apoiada pelos Estados Unidos, todo o mundo viu. Viu e ficou horrorizado. Ali também existiam regimes sem alternância de poder e não importa que sob esses regimes as pessoas viviam tranquilamente. Agora não há ali nenhum regime e, no entanto, existe a liberdade ilimitada para decapitar seus concidadãos.
De maneira geral, em Adis Abeba o Presidente Barack Obama não disse nada de novo. As notícias começaram depois, quando, em resposta às palavras do presidente, de repente, em Malabo, capital da Guiné Equatorial, fez-se uma declaração contundente. O Secretário-Geral do Partido Democrático da Guiné, Jeronimo Osa Osa Ecoro qualificou de “erro”, ainda que sem más intenções, as palavras de Barack Obama:
“O presidente dos Estados Unidos, sem dúvida, tem as intenções mais nobres. Mas ele não tem conhecimento sobre o estado real das coisas na África. Barack Obama comete o erro típico das pessoas que compararam o modelo ocidental com todos os países, esquecendo que muitos povos – por exemplo, os próprios africanos – têm outra história de desenvolvimento e, portanto, necessitam outros modelos e soluções.”
Mais adiante torna-se ainda mais interessante:
“Temos que lembrar ao Presidente dos Estados Unidos que os africanos também foram explorados pelos habitantes de seu país. Esse período difícil nos deteve, nos lançou para trás, sem dar-nos a oportunidade de desenvolver-nos como muitos outros países do mundo. Ele mesmo, no exemplo da sua própria família, pode, de maneira detalhada, investigar esse grave crime contra a humanidade.
Nós não podemos – depois de apenas 50 anos desde a independência – pensar, viver, sentir e ser tão organizados como, por exemplo, os americanos. É por isso que pedimos ao Presidente dos Estados Unidos e a todo o mundo ocidental que entendam que cada país deve viver a sua própria história e percorrer sua própria trajetória evolutiva”.
Entende-se que, ao fazer esta declaração, Jeronimo Osa defendeu seu presidente. Obiang Nguema Mbasogo está no poder na Guiné Equatorial há já 36 anos. Do ponto de vista dos americanos e europeus isto, sem dúvida, não é democrático. Jeronimo Osa acredita no contrário, afirmando que a permanência prolongada do presidente no poder não significa que ele retém o poder contra a vontade popular. Pelo contrário, ele está no poder porque o povo quer, porque “até a sua chegada ao poder, nunca antes as pessoas viviam no país tão bem e com tanta tranquilidade.”
A Guiné Equatorial é um pequeno estado da África Central, às margens do Golfo da Guiné, uma antiga colônia da Espanha. Até meados da década de 1980 foi um dos países mais pobres do continente, cuja população estava aterrorizada pelo ditador Macias. Como resultado do golpe militar de 1979, chegou ao poder Obiang Nguema Mbasogo, por cuja iniciativa começaram a realizar-se, na plataforma marítima, as explorações em busca de petróleo.
Atualmente a Guiné Equatorial é o terceiro maior produtor de petróleo da África sub-saariana, enquanto o PIB per capita é de cerca de $ 36.660 (segundo dados de 2010), isto é, como o da Espanha e Portugal.
Na internet pode-se encontrar uma enorme quantidade de informações tanto negativas como positivas sobre este país, o que é compreensível: nem todo o mundo gosta quando o pobretão de ontem de repente começa a ganhar muito dinheiro. Na Internet não se encontra nem uma só palavra sobre o fato de que as pessoas fogem da Guiné Equatorial, da mesma forma que fogem de muitos outros países africanos. Pelo contrário, um dos principais problemas da Guiné Equatorial é a migração ilegal. Para cá tentam chegar em busca de trabalho não somente os habitantes dos estados vizinhos, mas também os europeus, tentando salvar-se da crise europeia.
Não vamos iniciar um debate sobre o tema de se o Presidente Obiang é bom ou mau e quão grande são as suas contribuições pessoais para o florescimento atual da Guiné Equatorial. Que sejam os próprios guineenses quem respondam a esta pergunta. Uma outra questão é importante. Pela primeira vez a África intervém em defesa de sua dignidade e do direito a ter seu próprio destino. O país que ocupa o 141º no mundo por sua extensão territorial declarou abertamente ao Presidente dos Estados Unidos que ele não tem razão. Esse fato deve ser respeitado e é preciso aprender com ele.