O domingo (13), Dia dos Pais foi mais que especial na cidade de Mucugê. A data marcou o encerramento da segunda edição da Feira Literária, a Fligê 2017. Quem acordou cedo e disposto realizou a Trilha dos Contos, nas belíssimas paisagens que compõe as rotas turísticas das montanhas da Chapada Diamantina. Durante a manhã foi realizado no Calçadão Literário, o Café com Autor. “A Fligê que me animou a publicar esse livro”, declarou a escritora Gésia Cássia Sales, autora do livro Barriguda – Raiz em Flor, lembrando que participou da edição do ano passado. Ela foi um dos nove escritores que participaram do Café com o autor, que reuniu uma diversidade de temas. Antes da conversa, a música que deu o tom da programação.
O Coral da Uesb e o Coro Livre de Mucugê apresentaram pérolas do cancioneiro popular com verdadeiras poesias, como Refazenda, de Gilberto Gil, As Pastorinhas, de Dalva de Oliveira, Felicidade, de Lupicínio Rodrigues, Samba em prelúdio, de Vinicius de Moraes, e O que é o que é, de Gonzaguinha. No bate-papo, os escritores falaram sobre suas obras, bastante à vontade, atendendo ao pedido da professora Lana Sheila Rocha: “façam de conta que esta é a cozinha da casa de vocês”. A professora Dulce Moreira levou à mesa suas experiências com a educação e com as possibilidades de transformação. “Faço um resgate das teorias dos grandes teóricos da educação, reunindo experiências transformadoras”, resumiu, afirmando que um evento como a Fligê é fundamental para o atual momento que vivemos em nosso país.
O escritor Luar do Conselheiro falou da sua trajetória. Ele se tornou escritor inspirado em Canudos, Antônio Conselheiro, em Ariano Suassuna e poetas da literatura nordestina, nos folhetos de cordel. “Comecei a estudar o sebastianismo e a cultura popular nordestina, hoje sou o mais jovem imortal da Confraria Brasileira de Cultura”, destacou o escritor, ao falar do alcance da sua poesia e da sua contribuição para nossa literatura. Seu mais recente livro, já esgotado, é o 14º da sua carreira, “Versejos e outras sertanices”. Morador de Mucugê, onde trabalha nas escolas públicas voltando-se à concentração em sala de aula, o escritor Bravaraja Dharmananda levou para a Fligê um trabalho que versa com a espiritualidade e a filosofia, “A vida e suas histórias”. “Tenho mania de fazer as pessoas pensarem”, declarou agradecido, ressaltando que seus escritos só foram para publicação quando ele considerou ter maior amadurecimento da sua obra.
Mais contação de história, além de música em Libras e a oficina de Haicai e pintura de dedo completaram as atividades da Fligezinha. Também teve a conclusão da Fligecine com a exibição dos filmes: Mãos de vento e olhos de dentro, Susanna Lira; A menina que pescava estrelas, Ítalo Cajueiro; Brincadeira de Criança, Cristiano Alves de Oliveira e Um simples olhar, Coletivo Cinema no Interior. As atividades do turno matutino se encerraram com a palestra ‘Uma mulher à frente do seu tempo no sertão baiano’, esta foi Anésia Cauaçu, a primeira cangaceira do Brasil e personagem icônica do período da República Velha. A personagem real se mistura com ficção para compor o romance ‘Anésia Cauaçu’, do autor jequieense Domingos Ailton, lançado no último dia da Fligê durante palestra apresentada pelo escritor e mediada pelo professor Romildo Pereira das Edições UESB.
“Ela foi a primeira mulher a ingressar no Cangaço. E, ao contrário de outras mulheres como Maria Bonita, Dadá e Lídia, que ingressaram no cangaço através dos seus companheiros, Anésia era a líder de mais de cem homens”, contou Domingos, claramente orgulhoso da sua personagem real. Quando iniciou a programação da tarde, já era possível notar o sentimento de despedida pelo encerramento da Fligê. Mas as escritoras Ana Isabel Rocha e Martha Galrão, sob a mediação da professora Zoraide Portela, não deixaram a plateia desanimar. O termo ‘literatura feminina’ e a ideia de separar a obra literária assinada por mulheres foram debatidos no painel ‘Bahia em estado feminino da escrita’ por elas.
“Escrevo porque sou mulher e sou mulher porque escrevo”, provocou Martha, autora de ‘A chuva de Maria’. “Nós carregamos um peso insuportável por sermos mulheres, somos criadas numa fragilidade, temos que ser boazinhas o tempo todo, dóceis e amorosas”. Em consenso, as escritoras afirmaram que não concordam com as sub-categorias da literatura, que tudo é leitura, tudo é escrita. “Não existe literatura feminina, existem histórias, existem pessoas”, defendeu a professora Ana Isabel.
Professor doutor e grande estudioso do tema Canudos, Aleiton Fonseca contextualizou sobre a narrativa difundida pela nossa história contrapondo a ausência de narrativa feita pelos canudenses. “A história oficial contou a seu modo e jeito, colocando aquele povo como rebeldes e loucos, agora cada vez mais, estamos fazendo um resgate em diferentes meios, como na sociologia, na história escrita e oral, na literatura, nas artes plásticas, no cinema, na música, para assim, resgatar a verdadeira história desse povo, num discurso do conflito que parta da voz do sertão”, disse.
As palavras ‘força, luta, persistência, resistência e dignidade’ nortearam o bate-papo com o escritor que apresentou o romance ‘O Pêndulo de Euclides’ junto com o artista plástico Silvio Jessé, que contou sobre seus quadros que compõe ‘Canudos em Tela’. Do momento foi possível observar mais uma importante atividade da Feira Literária de Mucugê, abordando o tema do evento: ‘Somos paisagens do sertão em rotas de composição’. Com a sensação de despedida no ar, os participantes da Feira Literária de Mucugê ocuparam a sala do Centro Cultural a partir das seis da tarde para a conferência de encerramento com escritor e bibliotecário Cristian Brayner. “Primeiro temos que entender que política pública é o ato do governo em fazer ou não fazer. É o que se elege como prioridade. O principal verbo da política pública é escolher”, assim ele iniciou a conversa, como preferiu chamar o momento.
Segundo Cristian, hoje não se sabe quantas feiras literárias existem no Brasil. “Não tem política pública clara. Nesse ano, por exemplo, serão 13 feiras financiadas pelo Ministério da Cultura e nem sempre essas feiras são escolhidas por critérios republicanos”, alertou o expositor. Para a assessora da Secretaria Estadual de Cultura, Déa Oliveira, o momento serviu de alerta. “É preciso discutir de fato as políticas públicas que versam sobre esse objeto da própria Fligê”. O deputado federal Waldenor Pereira destacou que é preciso dar atenção à produção, publicação e distribuição editorial. “Uma frente de deputados, em caráter suprapartidário, assinaram nossa proposição para a criação da Agência Nacional do Livro, visando incentivar não só a leitura, mas o acesso ao livro”, afirmou.
“Precisamos assumir o compromisso de cada um sair daqui como ativistas da leitura”, completou a professora e curadora da Feira, Ester Figueiredo. A trilha sonora final da Fligê ficou a cargo do Quinteto de Cordas Castro Alves, da Neojibá. Com oito músicos no palco do Calçadão Literário, regidos pelo maestro Marcos Rangel, o concerto teve início com a Ária da quarta corda, de Bach, e terminou com o tango Por una cabeza, de Carlos Gardel. “Viemos na Fligê no ano passado e precisávamos voltar esse ano. Na definição do repertório, pensamos em mesclar o erudito e o popular, a boa música”, explicou o maestro, que incluiu Tom Jobim e Sivuca entre peças mais eruditas. Já era noite quando ocorreu o encerramento da segunda edição da Feira Literária de Mucugê. A Fligê 2017 foi idealizada pelo Coletivo Lavra, mas o sucesso dele se deu pela soma de mais de cem pessoas que se dispuseram a colaborar, além de todas as pessoas que prestigiaram as mais de 50 atividades desenvolvidas durante os quatro dias da Feira.
“É com um misto de alegria e de tristeza que encerramos esta edição. Tristes porque a nossa programação termina hoje e fica no ar esse sentimento de despedida, mas ao mesmo tempo manifestamos nossa alegria, porque nossa despedida está acompanhada por um até logo e também porque concluímos com sucesso esse evento. Aliás, mais que um evento, esta feira é uma belíssima celebração da cultura brasileira, das artes, das palavras e da escrita”, declarou a curadora da Fligê, Ester Figueiredo. A Fligê é uma realização do Coletivo Lavra em parceria com a Prefeitura Municipal de Mucugê e o Instituto Incluso, com apoio financeiro do Ministério da Cultura (MinC), do Governo do Estado da Bahia – Terra-Mãe do Brasil e das Secretaria de Cultura (Secult) e Fazenda (Sefaz), apoio cultural da Rede Bahia e LDM (Livraria Multicampi) e patrocínio do Colégio Opção, Fainor e Café Mucugê.