No final de 2015 a estudante Thaís Virgínia da Costa, então com 21 anos percebeu algo errado com a sua voz. No meio da apresentação da faculdade ela já não conseguia mais completar uma frase. Por mais que se esforçasse, as palavras saiam entrecortadas. Ninguém conseguia lhe entender. Ela não conseguia falar. Naquela tarde, a jovem teve que se calar. Foi a primeira vez que foi silenciada pela disfonia espasmódica, doença que provoca um distúrbio na voz, dificultando a projeção da fala, e caracterizada por contrações involuntárias nos músculos da laringe. A doença é caracterizada por voz tensa-estrangulada, com quebras de sonoridade e que compromete a comunicação do indivíduo.
Passados três anos, hoje aos 24 anos, com mais de 80% da capacidade vocal comprometida pela disfonia, Thaís não consegue se comunicar com a fala. Não emite palavras ou frases. A doença afetou tanto a sua rotina que ela não vai mais para a faculdade de Recursos Humanos na Unijorge. Também deixou para trás relacionamentos amorosos e de amizade, além do emprego de vendedora na loja da tia. Só costuma sair de casa, no bairro de Cajazeiras, em Salvador, para o tratamento no Hospital das Clínicas, no Canela. Qualquer contato com o mundo externo exige de Thaís esforço e a expõe a constrangimentos.
As pessoas com quem ela tem contato questionam, perguntam e querem uma resposta para saber o que aconteceu. A jovem deposita a esperança de voltar a falar, para isso, ela precisa realizar uma cirurgia de Neuromiectomia, um método que retira e reconstrói parte do músculo das cordas vocais. Para realizar o procedimento no Hospital Albert Einstein em São Paulo, Thaís está fazendo uma vaquinha virtual, até o dia 16 de junho, para reunir a quantia de R$ 40 mil.
Por ser uma opção de tratamento para uma doença rara, que atinge 1 a cada 100 mil pessoas no mundo, a cirurgia só foi feita em 70 pessoas no país. De acordo com a professora de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Natasha Andrade Braga, a disfonia espasmódica está associada ao sistema nervoso central. “Não existe uma causa definida para a doença, mas a gente acredita que tenha um fator neurológico junto com psicológico. A disfonia espasmódica não é uma doença hereditária”, explicou. Ainda segundo a professora, a doença costuma atingir mais mulheres, entre 30 e 60 anos.
Descoberta
Thaís passou quase dois anos sem saber qual a sua doença. Ela passou por três otorrinolaringologistas, três fonoaudiólogas, psicólogas e psiquiatras, mas ninguém conseguia descobrir o que a estudante tinha ou o que havia lhe tirado a voz. Só em setembro do ano passado, durante uma consulta com uma fonoaudióloga, em Brumado, Centro Sul do estado, ela foi diagnosticada com a disfonia espasmódica.
Ela conta que saiu do consultório desesperada, quando soube que tinha uma doença grave e com tratamento caro. “Eu já saí de lá chorando muito, porque pensei que nunca mais poderia falar novo. E fiquei me perguntando porque essa doença tinha me escolhido. Eu já pensei que nunca mais ia ouvir o som da minha voz”, relembrou ela.
A estudante conta que ainda consegue falar algumas palavras no início da manhã, no entanto, ao longo do dia a voz vai ‘sumindo’. “Quando acordo, consigo falar, porque acho que as cordas vocais ficam descansadas. De noite, eu não falo, porque fica incompreensível e eu me esforço muito” explica.
Desde que descobriu a disfonia, Thaís, que já era tímida, ficou ainda mais retraída. Sua tia, a comerciante Edna Cerqueira, com quem mora, juntamente com mais um tio e um primo, diz que se preocupa com o isolamento da sobrinha. “Ela se fechou muito com as pessoas. Thaís gostava muito de sair pra festa e, agora, consegue sair só com a gente da família mesmo. Quando alguém pergunta sobre a voz, ela começa a chorar. Tenho certeza que essa doença afetou ela até na questão de ter um relacionamento. Me preocupa muito ver minha sobrinha assim, porque ela era muito ativa”, lamenta.
Atualmente, a jovem só mantém contato via redes sociais. É nos aplicativos de mensagem que ela conversa com outras pessoas, também diagnosticadas com disfonia espasmódica. É por lá, ainda, que pesquisa tudo sobre a doença. “Depois que eu entrei no grupo de WhatsApp, vi que tinha outras pessoas como eu, que já conseguiram fazer a cirurgia e que conseguiram tocar a vida”, conta. O grupo reúne 15 pacientes de todo o país.
Uma dessas pessoas é o estudante de Engenharia Civil Joab Paiva, 35 anos. Morador de Vitória da Conquista, ele é um dos poucos homens que foi diagnosticado com a doença – já que a incidência é maior em mulheres. O universitário, que já fez a cirurgia, descobriu a disfonia em 2015, enquanto se apresentava em um evento.
Tratamento pode ser feito até com botox
Segundo a fonoaudióloga Carolina Lacorte, a disfonia pode ser de três tipos. A primeira é a adutora, que atinge 90% dos pacientes diagnosticados com a doença, e acontece quando o paciente não tem controle no fechamento da prega vocal. Já a segunda, a abdutora, ocorre quando não há o controle muscular na abertura das pregas vocais.
Ainda de acordo com Lacorte, a terceira e última classificação da disfonia é a mista. Nesse caso, o paciente não possui nem o controle para abrir nem para fechar a prega vocal. Os sintomas da doença são evidentes na voz do paciente. Conforme a Carolina, a voz tensa, com quebras de sonoridade e com esforço na hora de falar são alguns sinais da disfonia espasmódica. Ao apresentar esses sintomas, a pessoa deve ir ao fonoaudiólogo e ao otorrinolaringologista.
O paciente que for diagnosticado com a doença tem duas opções de tratamento, afirma a professora da Ufba, Natasha Braga. O primeiro é através da aplicação de toxinas botulínicas (botox) na região. A substância é usada para diminuir o efeito da contração do músculo nos pacientes com disfonia. Cada ampola dessa toxina específica para o trabalho vocal custa R$ 1,2 mil, e a aplicação com os honorários dos médicos chega a até R$ 4 mil.
Já na cirurgia, opção recomendada para Thaís por conta da evolução da doença, os médicos retiram e queimam o músculo envolvido na situação. Nesse caso, a cirurgia pode dar certo em 60% dos casos, sendo que 33% necessitam da segunda intervenção e 7% da terceira cirurgia, de acordo com dados do Ministério da Saúde. Jornal da Chapada com informações de Correio 24h.