Aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), o projeto de lei do Senado que prevê que o preso deverá ressarcir ao Estado as despesas com a manutenção no estabelecimento prisional pode provocar mudanças no sistema penitenciário e divide opiniões. De acordo com a proposta, a pessoa que não possuir recursos próprios deverá pagar os custos com trabalho. Apenados que tenham condições financeiras, mas se recusem a trabalhar ou pagar serão inscritos na dívida ativa da Fazenda Pública.
O hipossuficiente que, ao término do cumprimento da pena, ainda tenha restos a pagar terá a dívida perdoada. De autoria do senador Waldemir Moka (MDB-MS), a proposta foi discutida apenas na CCJ na semana passada e enviada ao plenário. Se não for apresentado recurso para que seja votada em plenário, seguirá para a Câmara dos Deputados. O custo para manter uma pessoa no sistema carcerário varia conforme cada unidade da Federação. A Resolução nº 6, de 29 de junho de 2012, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), prevê parâmetros nacionais.
Ao relatar a proposta, o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) argumentou que “o ressarcimento das despesas com a manutenção de um preso, sobretudo daqueles que possuem recursos próprios, se mostra medida acertada e necessária, pois se trata de hipótese em que foi praticado um ato ilícito (no caso, o crime cometido pelo condenado), conduta esta que gerou despesas posteriores em desfavor do erário (gastos com o encarceramento)”.
Poder das facções
“Eu acho injusto que a sociedade, o contribuinte, tenha que pagar por essa estadia. [É preciso] lembrar que o cara que está detido lá cometeu um latrocínio, estuprou, deixou uma viúva, filhos, deixou uma família. Então, o projeto pretende que, quem tiver condições, que pague com sua estadia. E quem não tiver, pague com a mão de obra”, disse o senador Moka. Para ele, a medida contribui para reduzir a ociosidade dos presos e, com isso, o poder das facções nos presídios.
A doutora em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) e ex-diretora do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) Valdirene Daufemback tem avaliação oposta. Segunda ela, o crescimento das facções criminosas nos presídios ocorre por causa da ausência do Estado nesses locais. Desta forma, esses grupos passaram a financiar itens de primeira necessidade para os internos, como alimentação e vestuário, e apoiar as famílias com assistência social e jurídica.
“A tendência é que esses grupos passem também a financiar esse tipo de recurso que o preso teria que ter para pagar o Estado. Em última medida, o que o Congresso está fazendo ao aprovar isso é fortalecer as organizações criminosas”, diz.
Postos de trabalho
A especialista aponta duas situações que podem dificultar a aplicação da proposta: condição financeira dos presos, pois a maioria é de baixa renda. De acordo com dados mais recentes do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), de junho de 2016, 75% dos presos não chegaram ao ensino médio. Menos de 1% tem graduação. A oferta de vaga de trabalho no sistema penitenciário, segundo a ex-diretora do Depen, é baixa. “Hoje, no sistema prisional, a oferta de vagas de trabalho é baixíssima. A média nacional fala em 20% pelo Infopen, mas, em alguns estados, não chega a 5%. E não tem a ver com falta de demanda ou desinteresse da pessoa presa nessa atividade”.
Em junho de 2016, dos 726.712 presos, apenas 95.919 (15%) tinham uma atividade laboral. Entre os que trabalhavam, 87% estavam em atividades internas. Para a especialista, a proposta que está no Senado pode despertar o interesse de empresas em empregar os presos, porém, ao mesmo tempo, afasta o Estado de suas obrigações. “É mais um fator de fomento à ausência do Estado. E, com isso, a gente tem outros segmentos ganhando força em uma política pública que é muito onerosa do ponto de vista social, que deixa marcas muito profundas”.
A coordenadora-geral de promoção da cidadania do Depen, Mara Fregapani Barreto, destaca que a efetiva oferta de postos esbarra ainda na superlotação dos presídios e falta de estruturas. “Você pode imaginar que as estruturas para uma sala de aula, um galpão de trabalho, também são precárias em unidades prisionais. Isso faz com que as nossas porcentagens sejam muito baixas”. Desde 2012, o governo federal tem o Programa de Capacitação Profissional e Implementação de Oficinas Permanentes (Procap), que repassa recursos aos estados para realização de oficinas de trabalho e de capacitação.
Segundo a coordenadora, foi fixada, em 2014, a meta de 250 mil internos trabalhando até dezembro de 2018, que não deverá ser cumprida. “O que se viu nos últimos anos, contudo, foi a redução do número de postos, que chegam hoje a menos de 100 mil”. Atualmente, um terço dos que trabalham estão em atividades como limpeza, distribuição de alimentos ou cuidados com bibliotecas, por exemplo. Dois terços estão em atividades que podem gerar renda ou qualificação.
Remuneração
O senador Moka afirmou que o projeto não define como se dará a contratação e a remuneração dos detentos, já que cada instituição poderá ter regras próprias. Caso a proposta vire lei, as regras deverão ser normatizadas posteriormente, de acordo com o parlamentar. “Não queremos transformar esses presos em subemprego, tem que ser um valor condizente. Pode ser que tenha mão de obra mais qualificada e menos qualificada”, disse, sem descartar a fixação de um valor mínimo. A Lei de Execuções Penais (LEP) prevê que três dias de trabalho significam a redução de um dia da pena do condenado. Quanto à remuneração, não poderá ser inferior a três quartos do salário mínimo.
A remuneração deve ser usada para “indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios; à assistência à família; a pequenas despesas pessoais; ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nas letras anteriores”. No entanto, o Infopen, mesmo sem dados precisos, aponta que 41% dos presos recebem menos do determinado em lei, 22% ganham entre três quartos e um salário e 33% não têm remuneração.
Punição
Já o defensor público federal Daniel Chestari, que integra grupo de trabalho dedicado às pessoas privadas de liberdade, critica a proposta do PLS 580, por considerar que passa a tratar o trabalho como mais uma punição, e não como o caráter educativo e produtivo previsto em lei. “O que se faz agora é colocar o sujeito na condição de servo do Estado”, disse.
Durante o debate, o projeto foi discutido em apenas uma audiência pública, em maio deste ano. Na página virtual do Senado que apresenta o projeto, 44.715 pessoas manifestaram-se favoráveis e 1.371, contrárias. Para o defensor público federal, o projeto é incapaz de promover mudanças reais no cenário da privação de liberdade, centrado na aplicação de penas como máxima punição. Da Agência Brasil.
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