Na abertura da quarta edição da Feira Literária de Mucugê (Fligê), na Chapada Diamantina, que acontecerá entre os dias 15 e 18 de agosto, o ator Jackson Costa apresenta o espetáculo ‘Sarau do Poeta’, um recital que mescla diferentes estilos e escritores de diferentes épocas, construindo um texto que reverencia grandes autores. Jackson se apresenta na quinta-feira, 15 de agosto, na Sessão de Abertura, e na sexta (16), às 9h, será mediador do bate-papo com o escritor Mailson Furtado. Com 35 anos de carreira, desde o início, ainda na cidade de Itabuna, Jackson trabalha com a poesia, muito inspirado por Castro Alves, escritor homenageado pela Fligê nesta edição. Nesta entrevista, ele fala sobre o convite para participar da programação e o espetáculo que levará para a Chapada, além da influência dos textos poéticos na sua carreira.
Como foi receber o convite para participar da Fligê?
Eu já quero participar da Fligê desde o início, aí surgiu essa oportunidade, talvez pela ênfase esse ano na poesia, homenageando Castro Alves. Eu comecei em Itabuna esse trabalho dessa poesia castroalviana, ou seja, essa maneira condoreira de dizer poemas que vem ali de José Delmo, ator e poeta de Buerarema; Ramon Vani, que já fez a passagem, um grande ator, grande poeta. Essa é uma característica do sul da Bahia. Pra mim, é um presente que eu ganho puder ir pra Mucugê, lugar que eu gosto muito, a Chapada como um todo, Mucugê especialmente, puder levar um trabalho que eu venho construindo há 35 anos.
Existe uma relação muito próxima da poesia com o ator, principalmente no teatro, não é?
Os poetas que influenciaram os atores a dizerem poemas, porque não é uma coisa de ator dizer poema. É de poeta mesmo. Mas quando o ator tem a luz do poeta pra dizer poesia aí fica fácil, porque o ator não é a melhor pessoa pra dizer poesia. Não existe um personagem, é a própria poesia, é a própria pessoa. Então, para o ator é uma ferramenta fantástica ele conseguir chegar a se expressar sem um “personagem”, porque o personagem é a poesia. Como é que você vai se caracterizar pra dizer um poema? Você tem que se descaracterizar, você tem que assumir o poema, você tem que se transformar no poema. Então, esse é um trabalho que eu venho buscando fazer há muito tempo.
E sua participação na Fligê será justamente declamando poemas?
Isso. O “Sarau do poeta” eu já fiz em algumas festas literárias. Não é puxando a brasa pra minha sardinha, mas ele, pra mim, é um prato cheio para uma festa literária. Aproveitando a figura de linguagem de um prato cheio, o que é um festa literária? É um alimento para o espírito, é um alimento para o ser humano se alimentar de ideias, de palavras escritas e de palavras faladas. O autor vem na festa literária falar a respeito da literatura, de um modo geral, do seu livro, falar da sua escrita, mas usando a palavra falada, e isso tem um peso, tem um valor.
Como é o espetáculo ‘Sarau do Poeta’?
Tem poemas que eu digo há 35 anos e desse começo para cá eu venho acrescentando os poemas que eu me identifico, que eu quero fazer dele minhas palavras, pra puder eu me transformar nele. É através do pensamento de vários poetas que eu também me oriento na minha caminhada como ser humano, como artista, então aquilo que eu digo é aquilo que eu quero ser, que eu pretendo ser.
No espetáculo, são vários poetas. Eu começo com Carlos Drummond, eu digo Gregório de Matos, Castro Alves. Digo poemas do meu filho, quando tinha 5 anos, inspirado em um estudo que eu tava fazendo. Eu digo Patativa do Assaré, João Cabral de Melo Neto, Paulo César Pinheiro, José Delmo, Ramon Vani – talvez, o poema dele, “Prosoema pro’ce ará” e o “Navio Negreiro”, de Castro Alves, sejam os dois poemas que eu mais tenho dito na minha vida. O “Sarau” tem um repertório que a gente vem construindo, mas ele é aberto. Se me vem uma vontade de dizer um outro poeta, eu digo; ou, ao ver um poeta, posso acionar ele para ele dizer, brincar um pouco com a participação do público.
Posso dizer também que funciona como repertório de um show musical, eu posso acrescentar um poema ou outro e posso substituir. São poetas de estilos diferentes e, no meu pensamento, o “Sarau do poeta” é tudo um só, vem de algum lugar essa inspiração e ela chega pra nós através de pessoas diferentes, de regiões diferentes, com acesso diferentes a escola e a leitura ou não, mas dizendo a mesma coisa. Então, inspirado em Castro Alves, digo que o meu trabalho com a poesia é um canto de liberdade, todo poeta e todo poema que se presta a isso é esse mesmo poeta do “Sarau do poeta”, é um homenageando todos e todos sendo um.
A produção literária e a literatura são, de alguma forma, muito importante pra você e sua carreira?
Eu costumo dizer que o meu lastro como ator é a palavra. A gente pode fazer um espetáculo sem usar uma palavra e a palavra vai estar ali, não sendo falada. A ação é muito importante, a ação física, na minha arte, no trabalho que eu faço como ator, no teatro, na televisão ou no cinema. Têm atores que têm menos dificuldade com a palavra e têm atores que têm mais dificuldade com a palavra. Eu me apoio melhor na palavra.
Os poemas que eu digo a muitos anos, eu ainda não sei dizer, eu aprendo dizendo. Quando eu digo ele e eu sinto que funcionou de alguma forma, não é daquele jeito exatamente que eu vou dizer no outro dia, se ele vai funcionar em outro momento, o público já é outro, eu já sou outro. É um eterno aprendizado e a palavra não envelhece, é sempre nova. Agora, a gente precisa saber como trazer a palavra para que ela tenha a força sempre.
E a poesia tem um lugar de protagonismo na sua vida?
Eu levo a poesia pra onde eu vou, pra qualquer lugar, qualquer lugar cabe a poesia. Eu digo poesia na rua, eu posso dizer poesia no ônibus, eu posso dizer poesia na praça, dentro de um teatro fechado, em convenções políticas, em eventos de toda natureza. Já disse poesia, a pedido, em velório, por familiares da pessoa que está ali no caixão. “Por favor, diga uma poesia porque traz um conforto espiritual”. Quando é assim por convite, tem uma força maior, me aciona nessa missão de trazer a luz para o espectador através da palavra. Palavra é luz. Com a palavra, pra quem acredita, o Criador criou tudo o que ele precisou criar.
Qual a importância de uma feira literária no interior da Bahia?
É muito importante que se tenha um evento como este, porque as pessoas que moram ali tem um estilo de vida diferente, tem um ritmo de vida diferente e ter a literatura fomentada ali é muito importante. Quem sai de fora, o estrangeiro que vem de outra cidade da Bahia ou vem de outros estados, países ou continentes em busca da qualidade de vida de Mucugê, ao chegar ali e se encontrar com uma festa literária que traz gente também do mundo inteiro, só torna essa região que é muito bonita, que tem uma energia muito forte, ainda mais bonita.
As pessoas vem em busca de contato com a natureza, e a literatura é capaz de dar sentido a tudo isso e de ser ressignificada também por tudo isso. Se a gente for olhar como está o Brasil hoje, se a Fligê não tivesse começado a quatro anos atrás, o que seria? Será que daria pra hoje se construir uma casa, vamos dizem assim, que a Fligê é uma casa da literatura, do nada? Não daria. Mas ela tem um alicerce, então, pode soprar vento forte, pode cair tempestade, ela tá alicerçada. Jornal da Chapada com informações de assessoria.