A Câmara dos Deputados aprovou na noite da última quinta-feira (9) o texto base para o novo Código Eleitoral que traz uma série de mudanças nas regras aos partidos e às eleições. Com a aprovação do texto base, os deputados vão discutir e votar os destaques (propostas de alteração no texto aprovado). Em seguida, o novo Código Eleitoral segue para o Senado.
As mudanças propostas no texto só terão validade às eleições de 2022 se for aprovada no Congresso Nacional e sancionada um ano antes da eleição do ano que vem. O novo Código Eleitoral possui mais de 800 artigos, portanto, trata-se, de fato de uma profunda alteração das atuais regras políticas eleitorais.
A Revista Fórum entrevistou o advogado Bruno Cesar de Caires, que é sócio do escritório Caires, Marques e Mazzaro Advogados, mestre em Direito Constitucional na Universidade de Lisboa e pós-graduando em Direito Eleitoral pela EJEP – TRE/SP, que explica as alterações.
Fórum – De maneira geral, como você avalia o texto base do novo Código Eleitoral?
Bruno Caires – De forma geral é importante que se tenha um Código Eleitoral, a ideia de se promover um código eleitoral e revogar as demais legislações, é uma ideia boa, sintetiza o sistema e dá uma maior racionalidade.
Na prática o que a gente está vendo é bem problemático: porque o Arthur Lira (presidente da Câmara/PP-AL) está usando o modus que ele está fazendo com diversas pautas que é uma espécie de tratoraço, ele coloca pra votar em poucos dias e em questão de cinco dias a gente já tem o debate encerrado, o que é muito prejudicial, porque um código que se propõe abarcar toda legislação eleitoral, evidentemente ele é polêmico, extenso e carece de debate, não dá pra ser algo feito às pressas como a gente está assistindo.
Nós estamos falando de quase 900 artigos, são 898, então, por si só já demonstra o quão complexa é essa matéria e que não deveria estar sendo tratada da forma como está sendo.
Fórum – E sobre a divulgação de pesquisas apenas na antevéspera do pleito?
Bruno Caires – Sobre a divulgação das pesquisas: eu acho que é um retrocesso. É um retrocesso porque da forma como ela é feita hoje a Justiça Eleitoral tem como controlar. As pesquisas são registradas antes de serem divulgadas, portanto, há certa vigilância sobre isso da Justiça Eleitoral.
O que aconteceria nesse contexto de censura das pesquisas na antevéspera? Seria uma divulgação expressa de fake news. A censura não vai tirar do eleitor a busca ou o interesse pela informação, é uma questão de oferta e demanda. Havendo interesse do eleitor em buscar essa informação, ele vai buscar.
A gente não tendo mais esse controle ele vai encontrar na ilegalidade, vai disseminar fake news, vai fomentar todo esse processo de desinformação que a gente já está vivendo nas eleições. É um retrocesso você censurar a divulgação de pesquisas na véspera de eleição porque isso não tira a demanda, ela continua existindo, o eleitor vai buscar informação, só que de uma forma onde a Justiça Eleitoral já não tem o mínimo controle e a mínima condição de estar apurando a seriedade dessas pesquisas.
O outro ponto, de colocar margem de acerto nos últimos cinco anos é algo que foge à própria ideia de pesquisa eleitoral, que é uma fotografia do momento, você tenta apurar como a sociedade está pensando naquele exato momento e apurar tendências, por isso é impossível você auferir se a pesquisa teve certa margem de acerto ou certa margem de erro. Isso entra em um contexto de deslegitimação da mídia, do jornalismo como um todo e das pesquisas eleitorais também.
Fórum – O texto aprovado derruba a quarentena de 5 anos para militares, policiais, juízes e procuradores. O que acha?
Bruno Caires – A quarentena de funcionários públicos (juízes, militares, promotores) pra disputar cargo eletivo, ela seria importante. O Congresso não analisar isso ou derrubar essa possível modificação é um retrocesso. Poderia se discutir, na minha visão, se 5 anos é duro demais, poderíamos pensar em uma flexibilização desse tempo, talvez 2 anos, mas, a história recente do Brasil mostra o quão importante seria ter uma quarentena para que se dê certa isonomia para as decisões de quem tem o poder, de quem está investido no cargo no momento não tomar ações pensando exclusivamente em efeitos políticos imediatos. Essa é uma pauta importante para o Congresso enfrentar.
Fórum – A verba do fundo partidário fica liberada para qualquer uso.
Bruno Caires – Os partidos hoje, no atual sistema, já têm bastante autonomia para gerir a verba do fundo eleitoral. O fundo eleitoral tem natureza jurídica de direito privado, portanto ele não precisa, por exemplo, licitar ou ficar amarrado às questões de isonomia do poder público quando se fala em gasto de dinheiro. Portanto, isso já é assim hoje. Não acho que o novo código libera para qualquer uso, ele tem certas restrições, é algo muito parecido com o que já ocorre.
Existe a possibilidade de pagar multas eleitorais com o dinheiro do fundo, isso é razoável, os partidos não têm outras fontes de renda, o Brasil optou por um modelo de restringir doações privadas, portanto, nesse ponto eu acho razoável essa possibilidade de se pagar multas e sanções com dinheiro do fundo eleitoral.
Fórum – A disseminação de fakw news prevê pena de 1 a 4 anos e multa, podendo ser aumentada quando difundida pelas redes.
Bruno Caires – A construção jurídica vai se encarregar de pôr parâmetros e balizas nessa questão: o que é disseminação de fakw news? Mas é um tema que está em voga e a gente já vem sofrendo com isso há algumas eleições e ela precisa ser enfrentada.
É necessário que tenha sanções, principalmente para quem monta verdadeiros esquemas de propagação de fake news contratando bots e monetizando toda essa cadeia de desinformação e é evidente que a Justiça tem que mecanismos de combate, e a tipificação disso como crime creio que seja algo que venha para dar maiores ferramentas à Justiça Eleitoral nessa tarefa.
Fórum – Para fins de distribuição do fundo partidário, votos dados a mulheres, negros e indígenas eleitos serão contados em dobro.
Bruno Caires – A questão da contagem de votos para a distribuição de fundo eleitoral, de mulheres, negros e indígenas, e minorias como um todo, digamos assim, é uma solução inteligente, porém, paliativa, porque você distribui o fundo eleitoral por número de votos do partido recebido nas últimas eleições nesse sistema você teria um peso maior para partido que investiu de fato e fomentou a participação de minorias.
É uma solução inteligente, mas que deixa um pouco a desejar, porque ela não enfrenta o real problema brasileiro: que é a falta de representatividade no Congresso como um todo. A captura do Congresso pela elite e por aquele que tem o seu perfil: homem, branco e meia idade pra cima. A solução efetiva seria a gente ter mecanismos de cotas para os eleitos, nós temos mecanismos de cotas apenas às candidaturas.
A gente sabe que é muito difícil enfrentar esse debate de maneira séria, portanto, acabamos nos contentando com certas medidas paliativas e essa medida entra no contexto: ela é inteligente, busca incentivar os partidos a promoverem esse tipo de candidatura através do financiamento, através do aumento de fundo… pode ser de certa forma efetivo ao longo do tempo, mas também esconde um pouco a nossa incapacidade de discutir de forma séria essa situação que demandaria cota fixa entre os eleitos. A redação é da Revista Fórum.