Enilzete Mendes, professora do distrito de Caeté-Açu (Vale do Capão), zona rural do município chapadeiro de Palmeiras, junto com a coordenadora da Escola Municipal de Primeiro Grau do distrito, Rosana Mercês, vêm realizando práticas de referências inspiradas em conteúdos da Formação Continuada Territorial da Secretaria de Educação da Bahia, a fim de que conteúdos e discussões cheguem às salas de aulas e que o conteúdo principal de formação, através da prática e do intercâmbio de experiências, seja garantido.
Desde 2019, a coordenadora faz parte da formação continuada, com planejamentos formativos e trocas de experiências. E, ao longo de mais de 20 anos de profissão, Enilzete desenvolveu um olhar atencioso e uma prática voltada para a transformação social, tendo como compromisso a educação de todos os estudantes que passam pelas suas aulas.
Nascida, criada e lecionando na comunidade, Enilzete conhece bem a realidade local. Mas a percepção de que os alunos não tinham esse conhecimento foi o ponto de partida para que ela iniciasse uma série de projetos que os aproximasse das suas raízes culturais e históricas. “Percebi que meus alunos não conheciam a história local. Nas leituras em livros e sites, eles acreditavam que tudo que escreviam sobre o Capão era verdade.”
Segundo elas, nas aulas, eles mergulham em diferentes fontes de informação, com análise de livros, notícias, histórias e teses de mestrado. No entanto, todos se surpreendiam com o fato de que muito do que se contava sobre a comunidade, não era verdade. Com isso, a docente trouxe discussão sobre origens indígenas, africanas, quilombolas que viveram no entorno e até a influência das culturas estrangeiras presentes na localidade.
Um certo dia, a professora ouviu de um aluno o seguinte questionamento, sobre a representação do Nordeste em pesquisas: “Por que só aparece a carcaça de um boi morto? É sempre a seca e nunca a Chapada”. Com isso, ela decidiu criar o próprio material didático, incluindo apostilas e exercícios que eram enviados para os estudantes.
Outras iniciativas também “mexeram” com a comunidade. Estudando slogans, a professora propôs que os alunos criassem pensando no comércio local. Além disso, os estudantes também ilustraram contos de um autor local, cujo próximo livro será novamente ilustrado pelos meninos e meninas da escola.
Segundo a professora, era muito comum os alunos copiarem o que liam na internet para responder às pesquisas e usarem como ilustração fotos que encontravam na rede, sem se atentar aos direitos autorais. Ela passou então a trabalhar com as mídias digitais, explorando a diferença entre presença digital e cidadania digital. “Hoje pensam 10 milhões de vezes antes de pegar imagem na internet e copiar, existe lei, alguém que fotografou, direitos autorais. É papel do professor abrir os olhos dos meninos sobre a internet.”
A professora, que também criou uma biblioteca virtual com livros baixados de forma legal na internet, conta que já percebe uma diferença significativa na escrita dos alunos e na sua capacidade argumentativa. “Quando eles estudam o que está próximo, eles conseguem linkar com o que está mais distante, quando vêem um texto de outra realidade, eles já conseguem analisar. Partimos do território como identidade: o local com o global. Esse global não existiria sem mim, eu também faço parte.”
Para a coordenadora Rosana, esse trabalho demonstra amor e respeito pela comunidade. “Ele serve de referência para professores que atuam em outras disciplinas. A professora demonstra o amor e a dedicação do educador popular (em referência a Paulo Freire) que quer que a comunidade se conscientize de sua força, se aproprie desses saberes e em retorno fortaleça a sua identidade local”.
Jornal da Chapada