O feminicídio da adolescente Hyara Flor Santos Alves, aos 14 anos, na cidade de Guaratinga, no extremo sul da Bahia, chamou a atenção para o casamento da vítima com outro jovem, também menor de idade. Ele e a família são suspeitos do crime e estão sendo procurados pela Polícia Civil.
A celebração do casamento foi feita há cerca de 45 dias, na Paróquia Nova Senhora da Conceição, a igreja matriz do município. Hyara fazia parte de uma comunidade cigana, assim como o marido. O casamento entre adolescentes é parte cultura dos povos ciganos, mas é inválido perante a lei.
Por que o casamento na adolescência é tradição cultural entre os ciganos?
Rogério Ribeiro, que faz parte do grupo étnico e é ex-presidente do Instituto Cigano do Brasil, explica que a união afetiva nas comunidades ciganas começa na adolescência porque faz parte do ideal de crescimento e da construção de família.
“O casamento na cultura cigana começa a partir dos 12 anos, é uma cultura milenar que tem que ser respeitada. Os casamentos são sempre entre os jovens com a mesma idade ou idade parecida, nunca com uma pessoa maior de idade. Por exemplo, um casamento de uma menina de 12 anos com um rapaz de 20 não existe”, explicou.
Os casamentos são arranjados?
Rogério disse ao g1 que prefere não usar o termo “arranjado”, porque dá a entender que os casamentos são impostos e os adolescentes não podem recusar. Na tradição cigana, os matrimônios são acordados pelas famílias e os jovens podem declinar, caso queiram. Essa recusa, no entanto, não costuma ser comum, porque eles são ensinados desde crianças sobre a importância de manter linhagens de tradição.
“São casamentos acordados desde a infância, propostos pelos pais, que estabelecem condições, como dar uma casa mobiliada, dar ouro. Aí eles vão convivendo entre si e vão se amando, porque as famílias se juntam. Os casamentos ciganos geralmente são entre primos, para manter as famílias juntas. O povo cigano vive em grupo, em comunhão, geralmente em acampamentos, como uma forma de se proteger e manter a tradição viva”.
O que diz a lei brasileira?
A lei brasileira não estabelece especificidades para os casamentos entre pessoas de comunidades ciganas, mas o Código Civil institui a idade de 16 anos como a mínima para o matrimônio legal, desde que haja a autorização dos pais. Os 16 anos são considerado a idade núbil, que é o marco legal para para determina que o jovem possui aptidão psíquica e sexual para casar, como explica o advogado especializado em Direito de Família e Sucessões, André Andrade.
“Essa foi uma inovação legislativa que ocorreu em 2019. Assim, crianças e adolescentes não podem se casar, nem com pessoas maiores de idade, nem mesmo com outras crianças e adolescentes, como ocorre na cultura cigana, por exemplo”, explicou.
Por que o casamento entre adolescentes não é válido?
O casamento entre adolescentes menores de 16 anos não é válido porque a legislação brasileira entende que essas pessoas não têm capacidade de consentimento. Além disso, o Código Penal estabelece que manter relações com adolescentes menores de 16 anos é crime de estupro de vulnerável, logo o Estado não pode autorizar esse tipo de relação matrimonial.
A advogada especialista em Direito da Família, Mariana Régis, explica que mesmo que a relação seja entre dois adolescentes, não é possível tornar a legislação menos rígida.
“Em matéria de casamento infantil, não dá para flexibilizar mesmo as normas protetivas em nome de uma cultura, afinal, a violência contra mulheres, a cultura do estupro também são culturas. O Estado jamais chancelaria isso como casamento. Se antes dos 16, entende-se que uma pessoa não tem capacidade para consentir e responder pelos seus atos, como poderia se admitir o casamento antes dos 16?”, argumentou. As informações são do portal g1/BA.