A Polícia do Amazonas informou que a cicloviajante venezuelana Julieta Ines Hernandez Martinez, de 38 anos, foi estuprada, teve o corpo queimado e possivelmente foi enterrada ainda com vida. O casal que confessou o crime está preso.
Thiago Angles da Silva, de 32 anos, é o principal autor do crime. O homem foi na direção de Julieta com uma faca na mão para roubar o celular da vítima. Era cerca de 1h, na madrugada de 24 de dezembro, e a vítima dormia em uma rede esticada na área de uma pousada localizada em Presidente Figueiredo (AM).
Artista de circo, Julieta atravessava o Brasil de bicicleta. Saiu do Rio de Janeiro em direção a Puerto Ordaz, na Venezuela, onde sua mãe mora. No caminho, dormia onde era possível.
Na noite do crime, Thiago teria dado uma gravata e jogado a vítima no chão. Na sequência, mandou sua namorada amarrar os pés da viajante. Deliomara dos Anjos Santos, 29 anos, teria recusado a ideia de roubar o celular, mas obedeceu. O casal também ficou com a bicicleta da venezuelana.
Os dois moravam em uma pousada precária em Presidente Figueiredo, segundo o delegado. Ele afirmou que a dupla vivia no imóvel de favor havia sete meses e o quintal estava cercado de mato e lixo.
Mesmo assim, o estabelecimento recebe pessoas que atravessam a pé ou de bicicleta a BR 174 — a estrada liga Manaus a Boa Vista. O estabelecimento fica perto de um local para banho de rio.
Única hóspede naquela noite, Julieta foi arrastada para a cozinha e estuprada. Deliomara disse, no depoimento, que o namorado usou a faca para obrigar a artista a fazer sexo oral nele, segundo a polícia.
Thiago falou que a companheira ficou com ciúmes. Segundo o delegado, existem pontos divergentes nas declarações de ambos, mas os dois confirmam o estupro e a forma violenta como a situação foi interrompida.
Fora de si, Deliomara atirou álcool na artista e no namorado e ateou fogo. A agressora permaneceu na cozinha. Thiago socorreu Julieta, relatou o delegado. Ele apagou as chamas com um pedaço de tecido encharcado.
A ajuda foi passageira, e Thiago aplicou outra gravata na venezuelana. A interrupção na respiração foi tão longa que a artista desmaiou. O homem saiu para buscar ajuda no hospital de Presidente Figueiredo, contou o delegado. Ele teve o tronco e a cabeça queimados. Deliomara ficou em casa com a venezuelana desacordada no chão da cozinha.
A artista foi arrastada por cerca de 15 metros e enterrada por Deliomara. O delegado explicou que o corpo foi depositado numa cova rasa. Um amontoado de lixo foi colocado para esconder a terra remexida.
O cadáver estava com as mãos e pés amarrados quando foi desenterrado. O estado avançado de decomposição não permitiu identificar se havia sinais de queimadura.
O delegado acrescenta que aguarda a perícia para saber o momento da morte. Existe a possibilidade de Julieta ter morrido na segunda gravata de Thiago. O óbito também pode ter ocorrido porque a venezuelana foi enterrada viva. Não há garantia de que os exames conseguirão determinar quando a artista morreu.
Thiago estava no hospital no momento em que a venezuelana foi enterrada. As queimaduras inspiravam cuidados e ele foi removido para Manaus, declarou o delegado. Ficou alguns dias internado (passou o Natal hospitalizado) até receber alta.
Depois ele voltou para a pousada e foi aceito pela namorada. Ambos continuaram a dividir o mesmo teto. O casal tem cinco filhos pequenos. Todos foram entregues aos cuidados dos avós depois da prisão dos pais.
Entenda o caso
Sem notícias de Julieta desde 23 de dezembro, amigos e familiares ficaram preocupados. A polícia foi acionada, e fotos dela passaram a ser publicadas na imprensa local e nacional.
Investigadores visitaram as pousadas da cidade. Estiveram no local onde vive o casal, mas a única informação obtida era de que ela passou por lá no dia 23 de dezembro.
Também foi descoberto que Julieta tentou ficar em outros estabelecimentos. Como todos estavam lotados, só restou a pousada onde vivia o casal. Nem cama havia, e ela dormia numa rede na varanda.
A informação crucial para desvendar o caso surgiu na última sexta-feira. Um homem passava pelo local, na volta do trabalho, e desconfiou que o quadro da bicicleta jogado no meio do mato era parecido com o que vira nos jornais sendo da venezuelana.
O trabalhador avisou a Guarda Municipal, e a denúncia chegou ao delegado Valdnei Silva. Ele pediu para os agentes impedirem a saída do casal e foi para a pousada acompanhado de uma equipe de investigação.
Questionado sobre a situação, o casal caiu em contradição e confessou o crime. Os dois levaram os policiais ao ponto onde Julieta estava enterrada. Também mostraram que havia mais objetos dela perto do quadro da bicicleta.
Amigos lamentam
A artista vivia no Brasil desde 2015 e integrava o grupo de cicloviajantes “Pé Vermei”. Amigos e colegas lamentaram a morte da artista. O grupo Circo de Só Ladies, do qual Julieta fez parte, exaltou a artista.
“Nossa grande Julieta, nossa palhaça Jujuba, carregava seus sonhos na bike e gerava sorrisos pelo Brasil todo. Ela se foi. Tiraram ela da gente. Sua vivacidade foi vítima de feminicídio e sua bike foi destroçada, assim como nossos corações.”
Em nota, Funarte (Fundação Nacional de Artes) lamentou a morte da artista e informou que acompanha, junto ao Governo do Amazonas, o desdobramento das investigações e do apoio à família, colegas e companheiras de ofício e amigos de Julieta Hernandez.
“Com toda alegria e irreverência, Julieta viajava com sua arte conduzindo crianças e adultos ao mundo circense e por isso, sempre será lembrada. Inquieta em relação à desigualdade de gênero, sua busca por equidade é uma inspiração para todas nós”, afirmou, Maria Marighella, presidente da Funarte.
Amigos e companhias circenses associadas à artista venezuelana estão organizando uma vaquinha virtual para apoiar a família da vítima. As doações podem ser feitas via PayPal para a irmã de Julieta em [email protected].
Segundo os organizadores, a campanha tem o objetivo de oferecer apoio emocional, logístico e financeiro para a família de Julieta.Jornal da Chapada com informações do portal Pragmatismo Político.