A equipe interinstitucional do Semear Digital, liderada pela Embrapa Agricultura Digital e apoiada pela Fapesp, adentrou a caatinga para dar início a um projeto de modernização da agricultura familiar nas regiões circunvizinhas. Em destaque, Boa Vista do Tupim assume o papel de Distrito Agrotecnológico (DAT), servindo como palco inicial para as ações do projeto, prometendo impulsionar avanços no cenário agrícola local.
Com quase 17 mil habitantes, o município chapadeiro abriga mais de 2.500 propriedades agropecuárias que enfrentam o desafio de produzir no semiárido nordestino. Produtores locais lidam com dificuldades como escassez de recursos hídricos, formações rochosas e solos rasos típicos da região. Embora as cisternas sejam comuns na maioria das propriedades, elas têm se mostrado insuficientes frente aos impactos das mudanças climáticas.
Na região, a conectividade é provida por rádio ou fibra ótica, alcançando tanto as residências quanto os equipamentos públicos nas agrovilas dos assentamentos. Embora o sinal não chegue às áreas mais remotas onde os cultivos estão localizados, a infraestrutura atual é suficiente para viabilizar as capacitações iniciais do projeto.
“A chegada do Semear Digital nos causa muita esperança, ter uma equipe capacitada para nos ajudar a trilhar novos caminhos. São muitos anos produzindo os produtos da agricultura familiar sem conquistar o mercado comercial”, frisou Rutileia Rodrigues, que integra a associação local Dona Menina do Agro e lidera a empresa Fufucas do Licuri.
Oportunidade
A equipe técnica realizou um levantamento nas propriedades visitadas, revelando a realidade descrita pela agricultora. Em média, cada área disponível para atividades agrícolas possui menos de 0,5 hectares. “o que associado à devastadora limitação hídrica, posiciona os agricultores familiares em condição de precariedade absoluta. As políticas públicas de cunho social são complementos essenciais”, avalia Celso Vegro, do Instituto de Economia Agrícola (IEA), parceiro do Semear Digital.
A maior parte das terras é utilizada para pastagens de gado bovino, ovino e pequenos animais. Apenas uma pequena fração é dedicada à fruticultura e ao cultivo de hortaliças, com poucas áreas irrigadas manualmente. Esse método de irrigação limita a produtividade e os rendimentos. “Ainda assim, quem utiliza a irrigação obtém renda mais de cinquenta vezes maior do que os agricultores de sequeiro”, explicou Vegro.
A apicultura se destaca como uma solução viável em áreas com escassez de água, aponta Luciana Romani, pesquisadora da Embrapa Agricultura Digital. Ela também menciona o extrativismo do licuri, utilizado na alimentação animal e como matéria-prima para artesanato, biscoitos e doces.
Romani observa que o gado leiteiro é mantido pelas famílias para consumo próprio e venda do excedente em feiras locais. Além disso, os produtores estão planejando a criação de aves poedeiras para complementar a renda, enquanto a criação de peixes, com seu potencial ainda em estudo por instituições locais, também está sendo considerada.
Agricultura e sustentabilidade
Apesar das adversidades, a equipe do Semear Digital percebeu que os produtores locais têm uma habilidade notável para planejar suas atividades. Esse nível de organização é um fator positivo para a introdução de aplicativos e tecnologias da agricultura 4.0. “Num primeiro momento conhecemos as demandas e os desafios para as próximas etapas. Estão previstas capacitações e intervenções em propriedades rurais selecionadas”, diz o pesquisador Luciano Mendes – ponto focal do DAT pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (Esalq/USP).
Durante a visita às propriedades rurais, foi observado que os produtores de milho ainda utilizam plantas e tecnologias inadequadas para o semiárido. Segundo o pesquisador Celso Vegro, o uso de plantas que economizam recursos hídricos, como o sorgo em vez do milho, junto com técnicas de manejo para retenção de água no solo e a construção de açudes subterrâneos, são alternativas que podem aumentar a produtividade e melhorar a qualidade de vida na região.
O especialista também sugere que a fruticultura e, com alguns cuidados, a formação de pastagens, podem superar as limitações impostas pelo solo do semiárido à exploração agropecuária. Além disso, Ildos Parizotto, analista de transferência de tecnologia da Embrapa Mandioca e Fruticultura, acredita que capacitações sobre o uso da irrigação e o cultivo de mandioca de mesa podem fortalecer a sustentabilidade das famílias de agricultores locais.
“O uso de motobomba elétrica, foi relatado por líderes das associações como muito dispendioso, e há necessidade de uma fonte de energia mais barata. Assim sendo, a capacitação no uso mais racional da água na irrigação auxiliará nos cultivos irrigados”, completa Parizotto.
Liderança feminina
Na paisagem rural de Boa Vista do Tupim, diversas atividades agrícolas coexistem, proporcionando uma fonte de renda adicional para trabalhadores e trabalhadoras. Durante a visita da equipe multidisciplinar do Semear Digital às propriedades, foram observadas farinheiras, abates de animais, produção de artesanato, exploração do licuri e da castanha de caju, apicultura e a participação dos agricultores nas barracas da feira local.
Rutileia Rodrigues, membro da Associação Dona Menina do Agro e uma jovem liderança na região, é exemplo dessa diversidade. Ela fundou a empresa “Fufucas do Licuri”, que adquire amêndoas das mulheres da comunidade para produzir biscoitos de licuri que são comercializados com sucesso. Esta iniciativa, juntamente com outras cooperativas locais, será beneficiada pelas ações do Semear Digital.
“São muitos licurizeiros produzindo em praticamente todas as propriedades mas, apesar do grande potencial, o retorno financeiro ainda é baixo”, diz. Inicialmente, o coquinho era utilizado principalmente como alimento para galinhas. No entanto, com o crescimento da empresa, sua destinação se expandiu para a produção de cocada, geladinho e biscoitos. Fundada em 2022, a empresa surgiu de uma iniciativa educacional incentivada pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), por meio do programa Agrojovem, com o apoio do poder executivo local.
“Imaginar pesquisadores analisando as possibilidades do aproveitamento do licuri, numa cidade totalmente rural e com um poder econômico ainda muito baixo é a possibilidade de unir os pequenos e de promover a sustentabilidade de muitas famílias rurais”, avalia Rodrigues.
Entre os dias 16 e 19 de abril, uma equipe composta pelos pesquisadores Jayme Barbedo, Thiago Santos e Luciana Romani, da Embrapa Agricultura Digital, e Ildos Parizotto, da Embrapa Mandioca e Fruticultura, realizou visitas a representantes do setor produtivo e do poder público. Além deles, os professores Luciano Mendes e Durval Dourado Neto, da Esalq/USP, e os especialistas Priscilla Fagundes e Katia Nachiluk, do IEA, juntamente com o especialista Celso Vegro, também integraram a comitiva. As informações são de assessoria.