Um dos principais movimentos para modernizar o Direito do Trabalho na última década é a reivindicação do fim da escala 6 x 1.
Nascida da percepção de que se trabalha demais, essa demanda expõe uma realidade cotidiana: a combinação de longas jornadas e grandes deslocamentos urbanos deixa pouco ou nenhum tempo para que as pessoas se dediquem à família, ao lazer, aos estudos, à religião e a outros aspectos importantes da vida.
Trata-se de uma tentativa de aproximar a legislação trabalhista brasileira aos padrões internacionais que privilegiam o equilíbrio entre vida profissional e pessoal, afinal as pessoas querem ter vida além do trabalho.
Esse movimento segue a premissa de que é possível evoluir partindo do regramento trabalhista existente, sem ignorar toda a construção histórica que caracteriza a civilização.
Qualquer proposta que implique na retirada de direitos não pode ser considerada modernização, pois representa retrocesso ao século 19, com jornadas desumanas, acidentes frequentes, trabalho infantil (dos pobres, é claro) e condições degradantes de trabalho.
O fim da escala 6 x 1 é, portanto, um passo genuíno em direção a um Direito do Trabalho mais justo e alinhado às necessidades contemporâneas.
A limitação da jornada de trabalho não representa mera questão contratual ou econômica, configura-se como parâmetro fundamental de saúde e segurança no ambiente laboral.
Os limites estabelecidos pela Constituição Federal e pela legislação trabalhista constituem mecanismos essenciais para prevenir o adoecimento físico e mental de trabalhadores, reduzir acidentes de trabalho e preservar a integridade psicofísica daqueles que vendem a força de trabalho para sobreviver.
Contudo, paralelamente a essa discussão, observa-se um movimento preocupante no Supremo Tribunal Federal (STF) a partir do reconhecimento da repercussão geral do Tema 1.389, pelo qual serão definidos parâmetros para a contratação de pessoas jurídicas e trabalhadores autônomos.
Caminhar para a liberdade ampla e irrestrita de contratação, é pavimentar o caminho para a completa desregulamentação das relações de trabalho no país.
Caso o STF decida que, mesmo com a presença de todos os elementos que caracterizam o vínculo empregatício – subordinação, pessoalidade, onerosidade e não eventualidade –, uma empresa pode contratar um autônomo ou uma PJ, as normas trabalhistas se tornarão, na prática, facultativas.
Esta possível legalização de contratações fraudulentas, travestidas de empreendedorismo, representa um grave retrocesso nos direitos fundamentais conquistados ao longo de décadas de lutas sociais.
Aqui reside o foco da questão: transformar o Direito do Trabalho em uma opção para as empresas é o mesmo que aniquilá-lo.
FGTS
Um precedente histórico que ilustra bem esse risco: durante a ditadura militar, a criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) foi apresentada como uma alternativa à estabilidade decenal (direito que impedia a demissão de quem tivesse 10 anos de serviço na empresa).
A partir de 1966, o trabalhador “escolhia” entre o FGTS ou a estabilidade. Na realidade, as empresas simplesmente não contratavam quem optava pela estabilidade. A escolha era uma ilusão.
Transportando essa lógica para a pejotização, não restará dúvidas: se for dada a opção entre ser empregado ou PJ, as pessoas, por medo de ficar sem trabalho e sem sustento, serão forçadas a optar pela pejotização. A “liberdade de escolha” se revelará, mais uma vez, uma armadilha para os mais vulneráveis.
Em um cenário de disseminação de pessoas jurídicas às custas da extinção de empregos, não restará lugar para direitos trabalhistas.
A prática demonstra que trabalhadores contratados sob regimes fraudulentos de “pessoa jurídica” ou como “autônomos” frequentemente submetem-se a jornadas exaustivas, sem direito a horas extras, adicional noturno, descanso semanal remunerado ou limitações constitucionais à duração do trabalho.
Esta realidade contrasta frontalmente com o princípio da dignidade da pessoa humana e com os objetivos fundamentais da República de construir uma sociedade livre, justa e solidária, reduzindo as desigualdades sociais.
Assim, a reivindicação pelo fim da escala 6 x 1 – que mobiliza trabalhadores e motiva diversas manifestações em todo o país – será enterrada por uma eventual legalização da pejotização, uma demanda que atende somente aos setores mais reacionários da sociedade e arremessa o nosso país para a vanguarda do atraso.
Desafio
A sociedade enfrenta hoje o desafio histórico de combater esse movimento de precarização que, sob o discurso da modernização e liberdade contratual, ameaça converter direitos sociais em meras recomendações desprovidas de efetividade.
A luta pela preservação de limites razoáveis à jornada de trabalho transcende a discussão técnico-jurídica, representando a defesa da saúde dos trabalhadores e da própria concepção de trabalho digno em uma sociedade democrática.
Os trabalhadores brasileiros desejam mais liberdade. Mas essa liberdade não é para escolher entre ter ou não ter direitos; é para poder ter tempo livre. O fim da escala 6 x 1 atende a essa demanda por mais tempo livre e qualidade de vida.
A pejotização, por outro lado, ameaça tirar a própria liberdade de escolha e condena o trabalhador a uma realidade de precarização. O momento obriga a uma escolha histórica sobre os rumos que o país deve seguir: o da proteção ou o da precarização? A resposta a essa pergunta, que exige a mobilização de todos, determinará se o Brasil caminhará para a modernidade ou retrocederá aos parâmetros do século 19.
• Renan Bernardi Kalil é procurador do Trabalho e coordenador nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho do MPT;
• Priscila Dibi Schvarcz é procuradora do Trabalho e vice-coordenadora nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho do MPT. As informações são do site Metrópoles.